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Paul McCartney Encara o Futuro

Em entrevista exclusiva, o eterno beatle faz um balanço de sua carreira com e sem o quarteto de Liverpool, além de explicar como mantém a sanidade em um mundo que ainda exige tanto dele

Por Paulo Terron Publicado em 18/01/2011, às 14h56

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Paul McCartney na capa da nossa edição de novembro
Paul McCartney na capa da nossa edição de novembro

Há pelo menos um par de décadas, as apresentações ao vivo de Paul McCartney começam da mesma forma: os telões exibem uma retrospectiva dos mais de 50 anos de carreira do músico, dos primórdios em Liverpool a acontecimentos recentes. Soa redundante - um dos maiores expoentes da história do rock deveria dispensar apresentações formais. Ao mesmo tempo, essa introdução cumpre sua função emocional, a de deixar claro que ali, naquele palco, se apresentará uma verdadeira lenda.

E, como todo ícone, McCartney já passou por situações que escapam à vida de uma pessoa normal. Ou mesmo a de alguém que tenha tido uma vida excepcional. Ele vendeu centenas de milhões, tornou-se Sir (ou seja, um Cavaleiro do Império Britânico) e regularmente encabeça a lista dos artistas mais ricos do planeta. E, claro, integrou um dos melhores grupos de todos os tempos: o Wings. E os Beatles também - o melhor de todos os tempos.

Não é de espantar, então, que aos 68 anos ele queira diminuir o ritmo de sua carreira. A turnê mais recente, a Up and Coming, tem 30 datas e passa pelo Brasil neste mês, com uma apresentação em Porto Alegre e duas em São Paulo. Ao mesmo tempo, chega às lojas uma versão de luxo do álbum Band on the Run (1973), iniciando um programa que não só deve restaurar a sonoridade dos trabalhos solo do músico, mas também alimentar a recente reavaliação dessas obras por parte das novas gerações (McCartney jura que muitas músicas da carreira solo são mais bem recebidas nas apresentações atuais do que antigas faixas dos Beatles).

No mês que vem, o músico segue para sua segunda visita à Casa Branca em 2010, para receber a Kennedy Center Honor, honraria que celebra artistas de contribuição exemplar à cultura norte-americana (mesmo os não nascidos em solo ianque, como Sir Paul). Na primeira vez, em junho, ele recebeu o Prêmio Gershwin, da Biblioteca do Congresso, dedicado a compositores que se destacam na música popular. "Por definição, a música popular é fugaz", disse o presidente norte-americano Barack Obama ao apresentar a honraria. "Raramente ela é composta visando vencer o teste do tempo. Mais raramente ainda, ela atinge essa distinção. E é isso o que torna a carreira de Paul tão lendária."

Portanto, sim, a desaceleração da carreira de Paul McCartney é tão extraordinária quanto a vida dele. E, por isso, nem parece uma diminuição de ritmo. Não para os padrões da indústria musical. É mais como uma subtração de intensidade. Falando pelo telefone ("Paulo? Oi, aqui é o Paulo da Inglaterra", brincou logo em sua primeira frase) em uma viagem entre Londres e sua casa, em Sussex, na Inglaterra, com uma voz de quem acabou de acordar (ou, pelo menos, ainda está muito cansado do dia anterior), o músico conversou com a Rolling Stone Brasil sobre o processo criativo de suas turnês recentes, seu estilo atual de composição, as faixas ainda inéditas dos Beatles e a arte de transformar uma música sobre a própria morte em algo palatável aos fãs.

Os seus filhos o chamam de Sir?

Não... De jeito nenhum! Só de "pai" mesmo.

Como funciona a sua seleção de repertório para as turnês? Você tem mais de 50 anos de músicas para escolher. Certamente muita coisa fica de fora. Você sofre fazendo isso?

Não é ruim, é um processo meio interessante. Eu começo pensando: "Se eu fosse a esse show, o que eu gostaria de ouvir a banda tocar? O que eu gostaria de ouvir o Paul cantar?" Começo com essa lista, e há algumas canções que são meio óbvias. Eu provavelmente gostaria de ouvi-lo cantar "Let It Be"... Esse tipo de coisa. Então existe essa lista das que você não poderia deixar de fora. E aí surge uma segunda lista, de coisas novas que podemos fazer para surpreender a plateia, para manter as coisas frescas. Misturamos essas duas listas. E aí tem uma terceira lista, que tem as músicas que nós gostaríamos de tocar, sabe? Sem nos importarmos com o resto, as coisas das quais simplesmente gostamos. Juntamos tudo isso e ensaiamos todas as músicas que escolhemos, e às vezes os caras da banda dizem: "Oh, talvez devêssemos tentar esta aqui..." Todos podemos sugerir. Depois dos ensaios, vemos quais [músicas] ficaram melhores. Normalmente somos eu e o nosso cara dos teclados, Wix, que é o nosso DM, diretor musical. Na reta final dos ensaios, nos sentamos e vemos qual será o set list e o escrevemos. No último dia de ensaio, tocamos esse repertório para que cada um saiba qual guitarra [usar], para que os caras da técnica saibam o que está acontecendo. E é assim que fazemos!

Pouco depois do rompimento dos Beatles, no começo dos anos 70, Paul McCartney resolveu esquecer o passado recente e montar uma nova banda. Com a família a tiracolo, ele e o Wings (que incluía a esposa dele na época, Linda, nos teclados) se enfiaram em um ônibus e viajaram pelo Reino Unido fazendo apresentações improvisadas em universidades. Inicialmente, o repertório de seu antigo quarteto foi banido desses shows. Entre 1971 e 1979, o Wings lançou sete discos de estúdio - todos com desempenho notável nas paradas de sucesso. Ainda assim, havia uma barreira a ser vencida tanto em relação ao público - sedento pela música dos Fab Four - quanto aos críticos, sendo que a própria Rolling Stone norte-americana questionou se o trabalho de estreia do Wings não poderia ser intencionalmente ruim, como forma de atacar a gravadora EMI, que o lançou ( "Wild Life é altamente sentimental, mas musicalmente flácido e impotente nas letras", diz a resenha de janeiro de 1972). Não era deliberado, mas o próprio McCartney hoje consegue ver imperfeições naquelas canções e, veja só, tem como desafio convencer os próprios admiradores de que trabalhos como esses poderiam ser melhores.

Houve uma fase, no começo dos anos 70, quando você não tocava músicas dos Beatles com o Wings...

[Interrompendo] Sim, é verdade.

Como era tocar só músicas novas para um público que talvez estivesse esperando sucessos dos Beatles?

É, bem, foi... Foi muito bom porque determinamos essa regra, já que estávamos tentando estabelecer algo novo com o Wings. Eu queria, antes de tudo, fazer com que o Wings tivesse sucesso por mérito próprio. Eu não queria usar as músicas dos Beatles, queria que tivéssemos uma identidade particular. Depois que conseguimos isso, por volta de 1976, depois do Band on the Run, me senti mais confortável. Mas, sim, você percebia que a plateia gostaria que você tocasse músicas dos Beatles. Só que eu achei que essa seria uma saída fácil e não queríamos fazer isso com o Wings, então criamos a regra para, mais tarde, podermos começar a tocar faixas dos Beatles. Como já fiz isso [no passado], é muito libertador poder fazer o que eu quiser hoje, posso escolher qualquer música. Provei algo.

Também houve algo curioso recentemente: você voltou a tocar músicas do Wings, que haviam sido abandonadas depois do fim do grupo. O que gerou essa mudança? Elas têm crescido cada vez mais no repertório.

Isso foi interessante porque, em um certo momento, pensamos: "Vamos só tentar [tocar] uma canção do Wings e ver o que acontece, o que funciona". Fizemos isso e notamos que elas eram muito bem recebidas. O interessante é que as pessoas mais jovens do público conheciam mais as faixas do Wings do que as dos Beatles! Uma vez eu estava dando uma entrevista, falando sobre o Sgt. Pepper ['s Lonely Hearts Club Band, disco dos Beatles de 1967], e o repórter me disse: "É, esse é bom, mas o meu favorito é o Band on the Run. Esse disco é o meu Sgt. Pepper" . E foi aí que percebemos que tudo havia mudado. Por isso começamos a tocar mais músicas do Wings. E está sendo incrível, elas se saem tão bem quanto - e às vezes melhor - do que as dos Beatles.

Isso é curioso e parece ser uma tendência. Os jovens que curtem música indie em São Paulo amam os seus primeiros discos solo.

Sério?

Sim, muita gente já me disse que ama o McCartney (1970) ou o Ram (1971).

Sério mesmo? Nossa, isso é incrível, cara! Muito legal! Fantástico! O tempo muda as coisas. É ótimo saber dessas coisas.

Por falar em tendências, parece que existe uma nova nas turnês: o Roger Waters está fazendo uma do The Wall (1979), os Rolling Stones já falaram sobre fazer uma do Exile on Main Street (1972). O que você acha disso? Faria algo do tipo?

Quer saber? Eu não me interesso por isso. Já me perguntaram se eu faria o Band on the Run. E eu toco muitas músicas dele, mas... Não sei, sinto que se eu tocasse só esse disco seria uma apresentação interessante, mas haveria tantas músicas que eu teria de deixar de fora e... Eu não gosto de colocar essa pressão em mim mesmo. Não é uma ideia que me interessa o bastante porque a acho um pouco restritiva. Gosto de poder escolher o que me der na telha, o que eu quiser tocar. Mas acho que faremos algumas coisas agora, com o relançamento de Band on the Run. Acho que tocaremos mais canções do disco. Só que a ideia de tocar só esse álbum... Não sei. Se os Stones tocassem só o Exile, seria uma noite divertida - mas eu provavelmente ficaria meio decepcionado por eles não tocarem "Honky Tonk Women" ou "Satisfaction". Sabe? Eu gostaria de ouvilos tocar essas músicas também.

Essa sua falta de interesse tem a ver com nostalgia? Muitos artistas rejeitam esse clima de nostalgia por achar mais interessante sair em turnê com material novo.

É, talvez. No meu caso é mais a restrição. Não vejo propósito em fazer isso comigo mesmo.

Você está no processo de remasterizar seus discos solo. Band on the Run é o primeiro e os outros devem vir na sequência. Há algum deles que você escute e pense: "Não gosto muito dele e poderia ter feito algo melhor"?

Claro. Alguns deles, mas o interessante é que penso nisso e... Por exemplo, eu achava isso do Wild Life [1971] , do Wings. Achava que poderia ter sido melhor. Tem uma música nele chamada "Bip Bop" que me faz pensar: "Ah, essa poderia ter sido melhor". Sabe? E eu disse isso para uma pessoa, um jovem músico, e ele disse: "Não, cara, essa é a minha preferida!" [risos] Não dá para vencer! No passado eu provavelmente sentiria mais essa coisa do "poder ter feito melhor", mas hoje as pessoas me mandam ouvir novamente porque há algo ali. Então desisti de pensar nisso. Agora é: "Sabe o quê? É parte daquela época, foi o que eu criei". E cada álbum tem algo que os faz valer a pena. Não me preocupo mais com isso. Antes eu me preocupava mais, exatamente por não gostar de algumas coisas, mas agora essas coisas acabam sendo as favoritas de alguém.

Deve ser engraçado para você ler coisas como aquela pesquisa que saiu alguns anos atrás dizendo que "Ob-La-Di Ob-La-Da" era a pior música de todos os tempos.

[Incisivo] Quem disse isso?

Uma pesquisa britânica. Mas tem muita gente que ama essa canção.

É, claro. Se você compõe algo e essa composição fica famosa, sempre vai haver um monte de gente dizendo que não gosta dela. Não há nada que você possa fazer a respeito disso. Outro dia li alguém falando sobre "Mull of Kintyre", minha canção escocesa, dizendo que era a pior faixa de todos os tempos. Senti vontade de escrever para o cara e dizer que havia um milhão de pessoas que não concordavam com ele, então talvez ele não estivesse certo. É preciso aguentar esse tipo de coisa. Com "Ob-La-Di", sempre achei a música ok, mas nunca pensei que a tocaríamos [ao vivo]. E aí no ano passado resolvemos tocá-la no ensaio, que é como costumamos fazer. Tocamos e foi tipo: "Nossa, parece que ficou muito boa!" Aí tocamos em um show e foi ótimo. É uma música muito festiva. E, sabe, ela é bem simples, tem uma historinha, é influenciada pelo Caribe, coisas assim. Ela tem sido recebida maravilhosamente. Eu diria que é uma das músicas mais populares do nosso repertório no momento. Então nunca dá para saber! É assim: quando penso nas pessoas e nas opiniões delas, vejo que em uma semana alguém pode dizer que uma canção é ruim e, duas semanas depois, dizer que já não acha mais. É como estávamos falando antes, sobre "Bip Bop" - eu não gostava dela porque a achava simples demais, talvez não profissional o suficiente, e aí vinha alguém e me dizia que era exatamente por isso que ela era boa. Ontem à noite eu estava conversando com um jovem músico e ele me disse: "Descobri que as coisas não têm de ser perfeitas". Talvez os melhores discos não precisem ser tão profissionais. Eles simplesmente têm algo neles. Por exemplo, existem muitas bandas contemporâneas que são ótimas - mas não dá para dizer que elas são particularmente afinadas. Algumas não são, e esse é o charme delas. Em algumas o baterista pode não ser o melhor, mas é isso que as destaca, essa diferença. Se você é perfeito, perfeito, perfeito o tempo todo, acaba sendo entediante.

Se nos anos 70 a sombra dos Beatles perseguia e ocasionalmente ofuscava a carreira individual de Paul McCartney, nos anos 2000 os desafios são outros. A história dos Beatles foi arrematada de forma grandiosa com a série Anthology (que proporcionou um reencontro com George Harrison e Ringo Starr, no qual o trio pôde trabalhar em gravações caseiras deixadas por John Lennon, assassinado em 1980), e McCartney se viu livre para intensificar a busca por novos horizontes musicais. Essas ousadias incluíram a convocação de Nigel Godrich, fiel escudeiro do Radiohead, para produzir o elogiado álbum Chaos and Creation in the Backyard (2005) e a aventura de se esconder nas texturas do duo conceitual The Fireman (cujo lançamento mais recente, Electric Arguments, é representado na turnê Up and Coming com as faixas "Highway" e "Sing the Changes"). Indo mais longe ainda, McCartney dispensou a gigante EMI em 2007, em um surpreendente acordo com a rede de café Starbucks, que lançou o selo musical Hear Music com a contratação do músico. Depois de 50 anos de carreira, Paul McCartney se tornava um mega-astro

independente.

Na vida pessoal, o normalmente recatado beatle Paul se viu no meio de um turbilhão midiático na última década. Principalmente por causa de seu romance (e consequente separação), entre 2002 e 2006, com a ex- modelo Heather Mills. Passado o tempo tempestuoso, ele diz tentar dividir seu tempo entre a criação da filha Beatrice, 7 anos, e o trabalho - o que o levou a fazer menos apresentações ao vivo.

Lembro-me de ouvir você dizendo que tinha gostado de trabalhar com o produtor Nigel Godrich no disco Chaos and Creation in the Backyard (2005) porque ele lhe dizia quando uma música não era boa o suficiente. Isso motivou o seu processo de composição? Por que você não trabalhou mais com ele depois?

É verdade: amei tanto que nunca mais trabalhei com ele! [risos] Foi uma boa experiência, nos divertimos e ainda somos amigos. Há vários motivos para eu não ter trabalhado com ele novamente: eu queria voltar a gravar com o David Kahne, eu tinha uma ideia sobre como realizar Memory Almost Full [2007] e o David sabia como executá-la. E eu havia colocado esse disco de lado para gravar o Chaos and Creation. Não foi o caso de eu não querer trabalhar com o Nigel, era mais o caso de eu querer trabalhar com o David. Mas acho que ele [Nigel] me deu um foco, que também serviu para me ajudar a terminar o álbum seguinte. Foi bom ter um padrão para alcançar. Acho que foi muito bom, foi ok.

Antes disso tudo, você disse ter feito uma experiência na faixa "Young Boy" (do disco solo Flaming Pie, de 1997). Você teria se obrigado a escrever uma música inteira, de uma vez só. O quão recorrente é esse tipo de exercício de composição para você?

Isso é em especial o que eu faço. Hoje - ou sempre, acho - é mais uma questão de ter algum tempo [livre]. No meu caso, não espero pela musa - espero mais por uma janela de oportunidade. Recentemente eu estava escrevendo e foi assim: "Ok, posso tirar as próximas duas horas para isso, tenho tempo, posso me sentar e escrever". Depois de duas horas compondo, se estiver boa, eu guardo a música. Se não estiver, guardo para poder melhorá-la, arrumá-la. Acho que o truque é simplesmente fazer. Então é isso o que eu faço, quando tenho algum tempo pego um violão, procuro uma ideia e escrevo. Vejo o que sai. E, normalmente, sai uma música!

E quando você trabalha com outras pessoas? Recentemente teve o (baixista do Killing Joke) Youth, no projeto Fireman, e o trabalho de produção do disco do seu filho James.

É completamente diferente. Quando trabalho com o James, meu filho, é ele quem está fazendo todo o trabalho. Eu só fico sentado dizendo: "Esse take foi bom". Ou "Que tal se fizermos isto?" É um papel totalmente diferente. É divertido. Ele é muito bom, então gosto de ouvi-lo cantar, é o meu garoto. E eu consigo testar para descobrir o quão bem ele consegue tocar, o que é bom para um pai. Por enquanto é só um EP, mas eventualmente vai ser um álbum. Foi ótimo, fizemos eu e o David Kahne e ficamos satisfeitos com o resultado. Quando trabalho com o Youth é completamente diferente - de novo. É mais como um workshop teatral, um processo de improvisação. Vou ao estúdio sem saber o que faremos, ele também. Aí vemos qual o nosso clima e dizemos: "Ok, vamos fazer algo meio folk". Construímos um riff de guitarra que seja folk - ou mudamos de ideia e partimos para algo mais para o blues ou heavy rock. Começamos com um groove, uma ideia que sai de um sentimento. E aí entro no estúdio para colocar o baixo. Sinto o clima e faço isso. Então é assim, completamente inventado na hora, nunca sabemos aonde vamos chegar. Esse é um modo muito empolgante para se trabalhar. E, quando terminamos, é menos preciso do que simplesmente escrever e depois gravar a música. É uma forma boa de se trabalhar, eu gosto bastante.

No começo o Fireman também era para ser um projeto secreto, não? Vocês fizeram até um webcast usando máscaras e coisas assim.

Sim, sim.

Isso me leva à pergunta seguinte: como você mantém os pés no chão? Por exemplo, alguns amigos de Londres me juraram que viram você no metrô. Você costuma fazer esse tipo de coisa para não perder o senso de "vida real"?

Acho que sim. É algo que eu sempre fiz, sabe? Mesmo antes de eu ficar famoso com os Beatles, eu gostava [de fazer coisas corriqueiras como andar de metrô]. É bom sentir os pés no chão. Faço porque gosto. Realmente gosto da experiência de pegar o metrô! E, quando você fica famoso, parece que tudo o que você faz é andar de carro. É um pouco chato. Então, às vezes, se estou andando e passa um ônibus que vai para onde eu estou indo, eu pulo nele. Ou o metrô. Então, sim, as pessoas me veem no metrô. O mais legal é que ninguém acha que sou eu! Primeiro, porque ninguém olha para os outros no metrô - as pessoas leem o jornal ou ficam com os olhares perdidos. Se alguém olha para mim, dá para ver a pessoa pensando: "Não, não pode ser ele... Não aqui, no metrô". E, sabe, já fiz o mesmo em Paris. E estava lotado! Sabe como os trens ficam bem cheios? E eu estava lá, segurando na alça, como todo mundo. Vi umas duas pessoas que olharam e devem ter pensado: "Nossa, você se parece muito com ele, cara". Mas ninguém diz nada! Você consegue ver nos olhos deles, mas eu olho de volta como quem diz: "Eu não poderia ser ele, poderia? Acha que ele estaria andando de metrô com você?" [risos] Eu gosto bastante de fazer isso, curto o transporte público.

Deve ter sido um alívio, depois do furacão dos Beatles, poder voltar a fazer essas pequenas coisas sem ser incomodado.

Foi uma das coisas boas, sim. É bom poder ter isso de vez em quando, mudar, poder relaxar. Outra coisa boa é que voltou a ser como era antes dos Beatles. Não havia mais tanta pressão. Tento não permitir que outras pessoas me pressionem. Então, se estou andando na rua e - agora todo mundo tem câmeras fotográficas no celular! - alguém me pede para tirar uma foto, digo que não. Digo: "Estou tentando manter minha vida privada, você não se importa, né? Eu te cumprimento, aperto a sua mão e podemos conversar, mas estou tentando fingir que sou só mais um cara na rua". E a maior parte das pessoas se desculpa, não há problema algum, e eu as agradeço por compreenderem. Isso significa que eu tenho controle sobre mim. Ninguém me domina! Esse é um dos problemas da fama: se você deixa outras pessoas te dominarem... [suspira] Isso te enlouquece.

Tenho uma teoria: se você quisesse, poderia passar o resto da vida sem ter de trabalhar, vendendo autógrafos. Com um por dia, você ganharia cerca de mil dólares a cada 24 horas. Seria só rabiscar um papel, simples assim. Não é um pensamento assustador?

Sim, pense em fazer apenas isso para o resto de sua vida. Quero dizer, como seria tedioso... Entendo o que você quer dizer, mas não dá para pensar assim. Isso passa pela sua cabeça uma vez, você pensa: "É, seria incrível". Mas na verdade não é algo que você gostaria de fazer. Eu amo a música! Música é o que me deixa feliz. Conheci alguém ontem que explicou isso muito bem, ela disse: "Eu não conseguiria respirar sem música". Achei muito legal, disse que entendia o que ela queria dizer. Acho isso muito verdadeiro e acho que muita gente sente isso. É algo mágico que os humanos desenvolveram, é muito especial para muita gente. É algo que cura. Uma das coisas de que mais gosto é quando me encontro com alguém e a pessoa me diz: "Eu estava doente e escutei a sua música, que me fez melhorar". Penso: "Uau! Que legal".

Você nunca teve problema em ser sentimental em suas músicas. Mas em Memory Almost Full há uma canção, "End of the End", na qual você fala sobre morte de uma forma que é quase chocante. Quando a ouvi pela primeira vez, pensei: "Não tenho certeza se quero ouvi-lo cantar sobre a morte dele".

Entendo completamente o que você está dizendo! E é por isso que a maior parte das pessoas não escreve daquela forma. Para escrever essa música eu tive de superar... O que aconteceu foi que eu ouvi outra música, na qual a pessoa falava da própria morte. Pensei: "Nossa, isso é muito corajoso!" Me senti da mesma forma que você, achei que talvez exigisse tanta coragem que não quisesse fazer o mesmo. E, quanto mais eu me acovardava, mais pensava sobre tentar [fazer o mesmo], descobrir o que eu penso sobre esse assunto. Então, tudo aquilo de dizer que eu gostaria que contassem piadas e coisas assim foi o que fez a canção funcionar - e me fez pensar que é o que eu gostaria mesmo. Talvez seja a minha ascendência irlandesa, os irlandeses sempre fazem uma grande festa [quando alguém morre]. Talvez tenha a ver com isso. É uma música bastante realista.

Você acha que ficou mais emotivo...

[Interrompendo] Não acho que fiquei mais emotivo, mas acho que passei a me permitir ser mais emotivo.

Eu estava pensando especificamente na sua performance de "Here Today" (homenagem a John Lennon) na loja Amoeba, em Los Angeles, que foi muito tocante.

Exatamente. Acho que é uma coisa humana. Quando nós, rapazes, temos 18 anos, a última coisa que queremos é que alguém nos pegue chorando. "Sou durão, tenho 18 anos, já sou grande! Eu não choro, isso é coisa de garota." Esse é o comportamento típico. E, mais tarde, sabe, você pode perder um ente querido ou alguma coisa acontecer com a sua vida. E... Você chega a um ponto em que pensa: "O que há de errado com isso?" Me lembro de pensar: "Se Deus não quisesse que você chorasse, ele não teria te dado lágrimas". Aí você para e vê que realmente não tem nada de errado. E as pessoas começam a te dizer que é melhor soltar, não manter dentro de você. É melhor para você. Então, sabe, resolvi ficar no meio do caminho.

Voltando à turnê, há uma história recorrente de que essa seria a sua última. Ou de que, pelo menos, a última grande. E que depois dela você só faria shows avulsos. De onde surgiu isso?

Começaram a falar essas coisas uns cinco anos atrás. Comecei a ouvir boatos, os jornalistas começaram a me perguntar se era verdade. E as pessoas me diziam: "Preciso ir ver o seu show, é a minha última chance porque ouvi dizer que é a sua última turnê!" Até quem eu conhecia dizia coisas assim. E eu não achava que era minha última turnê! Mas o boato circulou, e você sabe como eles não morrem. Isso foi uma das coisas, e o motivo pelo qual não tenho passado seis meses na estrada é porque eu tenho uma filha de 6 anos. Passo muito tempo com ela, estou criando-a. Divido o meu tempo entre ela e o trabalho. E é muito legal, na verdade: trabalho, fico com ela e em novembro vamos ao Brasil e à Argentina. E o que acontece é que você começa a ficar ansioso [por fazer shows]. E, se você está em turnê, pode ser que se sinta meio: "Meu Deus, aonde vamos amanhã? Cleveland? Ok. E depois? Saint Louis? Ok. Kansas City? Ok". Você começa a ficar entediado. E isso não é bom. É melhor estar "faminto". Com esta banda, ficamos ansiosos para voltar ao palco - e isso faz a diferença. Acho que a plateia consegue sentir que estamos felizes por estar lá.

A banda é boa de verdade.

É, e outro dia eu percebi que estamos juntos há quase dez anos. Viramos uma banda de verdade, conseguimos nos comunicar. Gostamos da companhia uns dos outros e estamos tocando cada vez melhor. Isso é algo de que o público também gosta.

Você tocou com Ringo Starr no ano passado e neste ano, ambas no mesmo lugar, o Radio City Music Hall, em Nova York. Isso vai virar uma tradição anual?

[Rindo] Não, não, acho que não. Foi algo que só aconteceu. Nos chamaram para fazer o lance de meditação do David Lynch [o evento Change Begins Within, em 2009, beneficente à fundação dedicada à meditação transcendental administrada pelo cineasta] e foi uma ótima ideia, nós dois concordamos. Então foi isso. Neste ano, foi porque era o aniversário do Ringo. Joe Walsh, do Eagles, que é amigo dele - e cunhado, atualmente [Walsh é casado com Marjorie Bach, irmã de Barbara, esposa de Ringo Starr] -, me ligou secretamente e disse que queria fazer uma surpresa, que seria ótimo se eu aparecesse sem ele saber. Eu concordei, e fui para o ensaio. Eles conseguiram manter o Ringo longe, ele só chegaria uma hora mais tarde, então conseguimos ensaiar normalmente. E aí eu perguntei: "E onde eu vou me sentar durante o show?" E apontaram para a primeira fila. Eu disse que não funcionaria! A plateia me veria, o Ringo me veria! Não haveria surpresa. Eu disse para me colocarem bem no fundo, quero aqueles lugares. Então me deram. Quando o Ringo começou o show dele, entrei pela porta da frente, fui até o meu lugar no fundo da casa de shows e me sentei. Algumas pessoas me notaram, mas não o suficiente para que houvesse tumulto. Eu me virava para elas e fazia: "Shhh! Silêncio! É surpresa!" Ele não sabia de verdade, essa foi a melhor parte. Ele ficou chocado e ainda me agradece até hoje! Nos divertimos demais. Cara, tenho de dizer: foi um arrasa-quarteirão. Ele saiu do palco com o microfone na mão, e dava para ouvi-lo dizendo: "Bem, parabéns, Ringo!" E saiu. Ele estava com a mulher, Barbara, que disse para ele esperar um pouco. E ele: "Por quê? Acabou, quero ir para o camarim!" E ela pedia para ele esperar. Ela sofreu para conseguir mantê-lo lá. Enquanto isso, eu olhava para o palco e conseguia ver meu técnico John [Hammel] se escondendo atrás de um amplificador. Automaticamente pensei que havia algo errado com o meu baixo. E comecei a pensar que não daria certo, que eu não subiria mais ao palco. Por que ele estava agachado no amplificador? É claro, era porque o Ringo o conhecia e entenderia tudo se o visse ali. Ele estava se escondendo. Subi e tocamos "Birthday". Depois o Ringo disse: "Eu nunca ficaria na coxia [só assistindo]". Por isso ele correu e tocou conosco. Foi uma noite absolutamente linda, linda!

Entrevistei Yoko Ono recentemente e perguntei se as três músicas de John Lennon nas quais você, o Ringo e o George supostamente trabalharam nos anos 90 - "Now and Then", "Grow Old with Me" e "I Don't Want to Lose You" - mas, decidiram não lançar, poderiam chegar às lojas algum dia. É verdade?

Eu não sei... Sabe, acho que teve uma na qual trabalhamos de verdade. Nunca chegamos a fazer nada em "I Don't Want to Lose You". Mas, sim, houve uma na qual trabalhamos. O que aconteceu, na época, é que o George Harrison não gostou do resultado. Ele disse: "Não, isto não está funcionando". E eu gostava bastante! Eu achava que havia uns trechos que funcionavam. Jeff Lynne estava produzindo e ele também gostou, achou que poderia sair algo dali. Então, essa música ainda está por aí. É claro, a qualidade do vocal de John não é perfeita - porque tiramos a voz de uma fita cassete -, mas é o John! É a performance vocal dele. E algumas das coisas que o George fez nessa faixa agora são históricas, porque ele faleceu. A contribuição dele está lá. Não sei, quem sabe um dia ela veja a luz do dia.

Também há uma história de que nessa época você escreveu uma música chamada "All for Love" com o George e o Ringo.

Acho que não, é só um boato.