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Novos Nazistas Americanos

Como um homicídio duplo sem sentido expôs o crescimento de um movimento fascista juvenil nos estados unidos

Janet Reitman Publicado em 08/07/2018, às 23h52 - Atualizado às 23h59

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<b>Ilustração: Mike McQuade</b> - Ilustração: Mike McQuade
<b>Ilustração: Mike McQuade</b> - Ilustração: Mike McQuade

Fazia duas semanas que Andrew Oneschuk e Jeremy Himmelman estavam morando na cidade norte-americana de Tampa, na Flórida, quando, em 19 de maio de 2017, uma sexta-feira, Devon Arthurs, com quem dividiam casa, atirou em ambos à queima-roupa usando um rifle AK-47. Andrew tinha acabado de completar 18 anos. Jeremy tinha 22. Eles estavam hospedados em um exuberante condomínio perto da Universidade do Sul da Flórida, em uma propriedade de dois quartos alugada por um outro rapaz, Brandon Russell, de 21 anos, um jovem rico das Bahamas que trabalhava em uma loja de armas e serviu à Guarda Nacional da Flórida. Andrew tinha largado os estudos e esperava entrar para os Navy Seals. Jeremy também considerava o serviço militar, embora tivesse problemas para se comprometer. Devon, de 18 anos, um garoto pálido e sardento que às vezes se referia a si mesmo pelo nome Khalid, estava desempregado e passava boa parte do tempo jogando videogame. Os quatro se conheceram pela internet, em fóruns e salas de bate-papo populares com os segmentos mais radicais da extrema direita.

O relógio marcava aproximadamente 17h20 quando Devon, vestido com calça jeans e uma camisa polo verde, casualmente entrou em um escritório do condomínio e anunciou que havia cometido os assassinatos. “Ele estava extremamente calmo”, relembra uma testemunha, e fez um “pequeno discurso” sobre crimes de guerra dos Estados Unidos no Oriente Médio. Então, começou a andar pela rua e entrou em uma loja de artigos para fumantes, onde fez três reféns usando uma pistola Glock semiautomática. A polícia chegou em minutos. “Eu não iria atirar em ninguém”, Devon disse enquanto se rendia. Eles voltaram ao condomínio, chegando na mesma hora em que Brandon, usando uniforme militar, saiu correndo do apartamento “gritando e histérico”, como relembra um policial. Devon não pareceu se abalar. “Ele não sabe o que está acontecendo. Acabou de descobrir, assim como vocês”, disse.

Os corpos estavam em um pequeno quarto no topo de uma escada acarpetada: Jeremy, um jovem forte usando short de basquetebol e uma camiseta preta, estava jogado sobre um futon, com a parte de trás da cabeça estourada. Andrew, estirado no chão, de regata e calça cáqui, também havia sido baleado na cabeça. Em outro cômodo, a polícia descobriu um rifle e duas caixas de metal cheias de munição. Também encontrados no local: várias cópias do livro Mein Kampf (Minha Luta, escrito por Adolf Hitler), uma máscara de gás, diversos materiais de propaganda neonazista e de supremacia branca e uma foto enquadrada do terrorista norte-americano Timothy McVeigh.

O esquadrão antibombas foi chamado para examinar o que havia na garagem: um minilaboratório, como os promotores definiriam mais tarde. Em um canto, um cooler pequeno com o nome “Brandon” estava cheio de HMTD, um pó branco usado na fabricação de explosivos caseiros. Russell, que estudou física na universidade, disse à polícia que usaria a substância para fazer pequenos foguetes com colegas do clube de engenharia da universidade. “Não é ilegal”, afirmou. “Dá para comprar pelo eBay.”

Devon Arthurs contou uma história diferente. “Está tudo lá especificamente para matar pessoas”, afirmou. Sentado em uma pequena sala de interrogatório, ele explicou aos policiais que os colegas com quem morava eram “nacional-socialistas” e integrantes de um grupo neofascista chamado Atomwaffen Division, termo em alemão para “armas nucleares”. Brandon tinha fundado o grupo, o qual Devon – que tinha acabado de se converter ao islamismo – dizia ter entre 60 e 70 membros no país. “Atomwaffen é uma organização terrorista”, contou. Ele tinha participado de conversas online nas quais Russell e outros falaram sobre plantar bombas em sinagogas e até na usina nuclear de Turkey Point, em Miami. “Brandon é um cara que tem conhecimento para construir uma bomba nuclear”, afirmou. “Não estou brincando.” O detetive, sentindo um tom de dúvida na voz de Devon, perguntou por que os amigos dele fariam bombas. O jovem olhou estupefato: “Porque eles querem estabelecer um Quarto Reich”.

1. A Pílula Vermelha

”Sabíamos que Andrew tinha alguns ideais intolerantes de extrema direita, e claro que odiávamos isso”, diz Walter Oneschuk. Meses após os assassinatos, os pais de Andrew, Walt e Chris, ainda lutam para tentar entender o que aconteceu com o filho mais novo. “Eu vi longos posts de Facebook em que pessoas diziam ‘ótimo, fico feliz que ele esteja morto”, diz Walt, um homem de expressão aflita e um bigode escuro. “Ele mal tinha 18 anos.”

A família Oneschuck mora em uma região de classe média alta em Wakefield, Massachusetts. Quando chego à casa deles em uma noite de inverno, Chris, uma mulher determinadamente alegre vestindo jeans e um pulôver, me dá um cartão de oração do funeral de Andrew. Nele está a foto de um belo adolescente, com barba de cor castanho-clara. Essa foto foi tirada em uma viagem às Montanhas Brancas, um dos lugares favoritos de Andrew. Quando era mais novo, ele pegava uma lanterna de cabeça e ia para a floresta passar a noite em meio às árvores. “Ele amava fazer coisas ao ar livre”, conta Walt.

Porém, Andrew parecia triste durante boa parte do tempo – raiva era sua “emoção padrão”, lembra a irmã mais velha dele, Emily. Ele estudou em duas escolas particulares, tendo odiado ambas. Não gostava de esportes em equipe.

Como Emily e o pai dela, ex-piloto, Andrew queria uma carreira militar. Aos 12 anos, ele começou a colecionar alfinetes da Spetsnaz, a força especial russa. No ano seguinte, ficou obcecado com a Wehrmacht, força de defesa alemã, cujas armas e uniformes ele memorizou. Um dia, pediu pela internet uma jaqueta da SS – gostava da “estética”, disse.

Andrew passou a usar a palavra “nigger” (um termo extremamente ofensivo para se referir a negros), embora Emily constantemente o repreendesse. Na escola, reclamava que os outros garotos eram “bichas”. Também passou a acreditar em uma visão de mundo conspiratória e apocalíptica na qual a civilização ocidental estaria condenada e ele, como homem branco, seria uma vítima. Ficava perplexo com a complacência dos pais: eles não percebiam que os negros eram responsáveis por 80% dos crimes nos Estados Unidos?, bradava erroneamente, usando estatísticas que parecia inventar do nada. “Os Estados Unidos são uma merda. Minha geração está falhando”, costumava dizer.

A certa altura, Andrew estava passando a maior parte do tempo trancado no 3º andar da casa, conversando em salas de bate-papo online. Não demorou para que criasse uma conta na rede social russa VK, uma plataforma que reúne separatistas ucranianos em busca de recrutas. O jovem, que tinha parentesco ucraniano, abraçou a causa. Começou, então, a formular um plano para se juntar ao Azov Battalion, grupo de militantes notoriamente violento que ajuda na resistência contra os russos. Em janeiro de 2015, Andrew comprou um passaporte falso e um bilhete só de ida para Kiev. Um dia antes da partida, tendo colocado na mala seus artigos de acampamento e reservado uma limusine para o aeroporto, ele casualmente disse à mãe, no caminho de volta da escola: “Acho que vou para a Ucrânia”.

“Ficamos em pânico”, Chris recorda. Dois dias depois de ter cancelado a viagem dele a Kiev, a família levou o rapaz a um psiquiatra. Ele já tinha passado por alguns profissionais àquela altura. “Sempre diziam que ele estava bem, que era coisa de adolescente”, conta a mãe. Pelos meses seguintes, ele fez terapia, mas teve “zero” de aproveitamento. Em paralelo, na escola, Andrew estava completamente isolado. “As ideias de política dele eram simplesmente esquisitas demais”, diz Emily. “Ele afastava as pessoas.”

A irmã tinha ficado preocupada quando Andrew passou pela fase de adoração pelo Exército alemão, mas alguns dos amigos dela disseram que também achavam a SS interessante quando eram mais jovens. “Não acho que eles entendiam que aqueles eram os caras maus”, acredita. “Era mais como se fossem os caras maus de Indiana Jones em um carro legal.” Mas Andrew foi além, adotando na internet o apelido “Borovikov”, em referência ao conhecido líder neonazista russo. Naquela primavera, ele pendurou uma bandeira da SS em seu quarto, junto à imagem de uma suástica. Emily ficou chocada. “Eu implorei para que meu pai fizesse o Andrew tirar aquelas coisas. Não acho que meus pais tinham a noção de o quão perturbador era aquilo.”

Ela entrou no quarto do irmão e arrancou as bandeiras da parede. “Você é um nazista”, apontou. Ele respondeu: “Não sou nazista. Sou nacional-socialista”.

Andrew Oneschuk foi um entre os milhares de jovens rapazes que, nos últimos anos, encontrou apoio na atmosfera autoafirmativa promovida pela extrema direita na internet. Foi um fenômeno que, para um grande número de pessoas, parecia ter vindo do nada: garotos comuns de cidades comuns em situações econômicas relativamente comuns tinham, de repente, se alinhado à ideia de supremacia branca. Eles passaram a acreditar, por meio de uma intrincada rede virtual, que tudo o que haviam aprendido na vida era, essencialmente, mentira. É como se estivessem no filme Matrix e escolhessem tomar a pílula vermelha, tendo sua confusão adolescente explorada por sites e publicações no Reddit, Twitter e YouTube, além de memes com um tipo de ironia que dificulta o entendimento do que é piada e do que não é. Adolf Hitler segurando um controle de PlayStation; copos de uma rede de sucos usando quipás; o personagem antissemita Happy Merchant. Fora personagens de animação vestidos como fascistas, incluindo os “Nazi Ponies”, com Tumblr, uma página no VK, Twitter e uma série de vídeos no YouTube que mostravam personagens de Meu Querido Pônei usando suásticas ou uniforme da SS.

Entre 2012 e 2016, de acordo com um relatório da unidade de estudos sobre extremismo da Universidade de Washington, houve um aumento de 600% no número de seguidores de movimentos nacionalistas brancos apenas no Twitter; tais grupos ultrapassaram o autodenominado Estado Islâmico em praticamente todas as métricas sociais. Analistas apontam que grupos de extrema direita e o EI usam táticas parecidas, como vídeos de alta qualidade e memes e piadas para deixar a mensagem mais chamativa. “O objetivo geral é desestabilizar as pessoas para que então você consiga preenchê-las com essas ideias”, explica o pesquisador Keegan Hankes. “Se você fizer do racismo ou do antissemitismo algo engraçado, você subverte um tabu cultural. Faça as pessoas rirem do holocausto – aí você abre um espaço no qual histórias e fatos não valem nada.”

Muitos dos memes mais populares da extrema direita nasceram no 4chan, anárquico fórum de imagens que ajudou a lançar os hacktivistas esquerdistas do grupo Anonymous. Só que no começo de 2012 o tom do 4chan tinha mudado drasticamente para a direita. O fórum “politicamente incorreto” do site, /pol/, lar de trolls niilistas conhecidos como “edgelords”, ajudou a espalhar o que a crítica cultural Angela Nagle, autora do livro Kill All Normies, chama de “contrarrevolução digital e sem líderes”. Alguns aproveitadores sentiram cheiro de oportunidade. No Stormfront, naquela época o mais proeminente site supremacista branco, alguns painéis de discussão falavam sobre como o /pol/ poderia ser usado para fazer jovens se tornarem “racialmente conscientes”, segundo escreveu um usuário.

No outono de 2012, um usuário do 4chan chamado “Stormpheus” começou a divulgar o que ele chamava de “panfleto de instruções da pílula vermelha”, que dava dicas de técnicas de persuasão. Muitos dos usuários do 4chan ficaram reticentes em relação aos “stormfags”, como chamavam esses interlocutores. “Especialmente porque aquelas pessoas tinham começado a expressar no /pol/ apoio a ideias de supremacia branca, porém sem o componente de ironia que era comum no fórum”, diz Matt Goerzen, do instituto de pesquisa Data and Society. Embora, ironicamente, os posts anteriores pudessem estar embebidos nas mesmas crenças. “Você está jogando com uma ironia tão sofisticada nessa cultura anônima, que até pessoas que entendem o quão cheio de camadas é esse espaço muitas vezes não enxergam tudo. A pessoa é quem quer que ela finja ser.”

Aproveitando-se dessa ambiguidade, dois usuários de longa data do 4chan viram a chance de levar o fascismo para as massas, colocando o conceito como radical e, ao mesmo tempo, cool: um novo tipo de contracultura. Um deles era Andrew Auernheimer, de 32 anos, um troll e hacktivista conhecido como “weev”, que de diversas maneiras personifica a natureza ambígua do extremismo online.

Até pouco tempo atrás, Auernheimer era queridinho de jornalistas de tecnologia e defensores de direitos digitais (a Forbes chegou a fazer uma comparação entre ele e o Puck, de Shakespeare). Em 2013, Auernheimer foi preso por hackear o site da operadora móvel AT&T. Treze meses mais tarde, depois de ter sido liberado, ele surgiu com a tatuagem de uma suástica e se comprometeu em espalhar a mensagem de “supremacia branca global”, como diz. “Fiz um apoiador de Bernie Sanders se tornar um guerreiro racial em apenas nove tuítes”, gabou-se em 2016.

Auernheimer encontrou uma alma gêmea ideológica em Andrew Anglin, fundador do Daily Stormer, um dos mais influentes sites de extrema direita da internet. Anglin, de 33 anos, é um ex-vegano de um subúrbio de classe média alta em Columbus, Ohio, que “começou a curtir Hitler” ao passar tempo no 4chan. Em 2013, ele decidiu criar uma nova plataforma para divulgar essas ideias. Nasceu o Daily Stormer, site de notícias mesclando o estilo caça-cliques do Gawker com a característica troll do 4chan. Judeus eram chamados pelo termo pejorativo “kikes”. Negros eram “chimpanzés”. Mulheres eram “putas”, “vagabundas”, “vadias”. A cultura mainstream era “shitlib”, algo como “liberalismo de merda”. Antissemitismo era engraçado – tão engraçado que o design do site era repleto de suásticas. O público-alvo do Daily Stormer, como foi revelado em um guia para possíveis colaboradores que vazou na internet, era a “geração TDAH” (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade), incluindo crianças de 11 anos, Anglin disse recentemente. Quem escrevia no site era instruído a não usar termos “universitários”, mantendo um vocabulário de “8ª série”. “Quando estou tentando mudar o modo como as pessoas pensam, não tem sentido abordar ninguém além dos jovens”, disse Anglin em um podcast em abril de 2016.

O objetivo maior do Daily Stormer – assim como o de diversos outros sites menos extremistas e podcasts, sem falar em líderes da extrema direita como Richard Spencer – era usar a chamada “Overton Window”, um conceito que descreve o processo de mudar a opinião das pessoas a ponto de fazê-las aceitaram ideias que antes eram vistas por elas como abomináveis. O movimento feminista, que tornou mainstream ideias um dia inimagináveis, como uma Suprema Corte formada apenas por mulheres, é um exemplo de uma mudança no estilo Overton em direção à esquerda. Pela perspectiva de supremacistas brancos, como Auernheimer (que recentemente chegou a falar sobre a ideia de matar crianças judias em nome da liberdade de expressão), discursos antissemitas ultrajantes podem fazer as coisas se virarem para a direita o suficiente para que o objetivo de um estado branco e sem imigrantes pareça quase palatável.

Essa mudança também servia a uma agenda mais radical. Um colaborador do Daily Stormer, o canadense fascista conhecido como “Charles Zeiger”, mais tarde faria um discurso vitorioso em um ensaio online a respeito da “inesperada radicalização da mais jovem geração Z”, que tinha passado a enxergar a “mídia mainstream como algo ruim e enganoso, [representantes da justiça social] como estúpidos e irritantes, e o liberalismo como chato e antiquado”. Essa mudança, ele notou, apresentava aos fascistas modernos uma oportunidade única.

Um dos amigos de jogos online de Devon Arthurs tinha visto de perto a estratégia funcionar. “Eu mesmo vi alguns adolescentes que tinham alguns ideais conservadores bem gerais se tornarem simpatizantes do fascismo. Acontece de maneira bem dinâmica.”

Foi nesse ambiente que Devon passou a acreditar que o holocausto era uma mentira. Criado em um condomínio de classe média, em Longwood, Flórida, perto de Orlando, ele passava a maior parte do tempo no computador. Os pais eram divorciados; durante boa parte da infância ele morou com o pai, Alan, um vendedor de seguros. Quando entrei em contato, Alan Arthurs não quis falar sobre Devon. “Se você quer saber a verdade, eu perdi meu filho para a internet cinco anos atrás.” (Laura, mãe de Devon, não respondeu aos meus e-mails.) “Minha percepção é a de que Devon tinha muitos problemas familiares”, um dos amigos virtuais dele afirma. “Eu estava em uma ligação via Skype com ele uma vez, e ele deu uma porra de uma chave de braço na própria mãe. Disse que ela era uma gorda que queria tirar o computador dele.”

Devon estudou na Lyman High School, onde imediatamente se destacou. “Ele era o cara que você sempre iria encontrar dizendo alguma coisa maluca”, diz um ex-colega de classe. Embora inteligente e articulado, gostava de verbalizar teorias de conspiração de extrema direita e falava entusiasmadamente sobre Hitler. “As pessoas faziam piada de que um dia ele iria acabar sendo um daqueles atiradores escolares, mas eu meio que tinha pena dele”, afirma Jacob Cohen, um judeu que estudou na mesma classe e pensava que Devon não tinha noção do que estava falando, embora parecesse levar a sério o que dissesse. Quando Cohen perguntou se ele era um nazista, Devon afirmou que era “nacional-socialista”. O uso do termo “nacional-socialismo” – a ideologia política disseminada pelos nazistas – é cada vez mais promovido pela extrema direita como uma forma de “rebranding”. Devon frequentemente exaltava as virtudes do nacional-socialismo, sobre o qual ele parecia ter um conhecimento superficial. “Ele tinha todas essas histórias alternativas decoradas de como os nazistas tinham mudado o mundo”, lembra Cohen.

Em setembro de 2014, Alan interceptou uma cópia de Mein Kampf que Devon tinha comprado pela internet. Depois que Devon o “desafiou fisicamente”, como Alan mais tarde contou à polícia, decidiu botar o filho para fora de casa. Devon foi morar com a mãe, que parecia enxergar o extremismo do filho como uma fase passageira. Mas ele tinha se tornado tão inflexível no discurso sobre a “superioridade ariana”, um professor recorda, que estava sempre se envolvendo em brigas na escola. Um dia, um colega de classe judeu, cansado daquela retórica, o jogou violentamente no chão. Trêmulo, Devon declarou: “Estou disposto a morrer pelo nacional-socialismo!”

Naquele verão, Devon deixou o colegial. Se tornou o que a internet chama de Neet – Not in Education, Employment or Training (algo como “não estuda, não trabalha nem está em treinamento” – e passava a maior parte do tempo em sites de jogos online. Era particularmente ativo em um servidor de Minecraft chamado / int/craft, no qual jogadores, recrutados em painéis de discussão de direita do 4chan, formavam alianças baseados superficialmente em eventos e ideologias históricos: soldados vikings, cavaleiros medievais, o califado. Devon, que usava o nome “wolfdevon”, jogava de maneira obsessiva. “Ele era profundamente autista”, diz Tuckers, um dos amigos online (não há evidência de que Devon fosse mesmo autista – o termo autista é usado em culturas online como algo pejorativo, normalmente para descrever alguém com hiperfoco). “Eu acho que ele era mais verdadeiro na persona online do que era na vida mesmo”, acrescenta Tuckers, um australiano que, como a maioria da comunidade online em que Devon orbitava, nunca o conheceu pessoalmente.

O nacional-socialismo era um tópico frequente de conversa em servidores politizados do Minecraft. Era “rebelde” se autoproclamar fascista, diz Nero, outro gamer amigo de Devon. Algumas pessoas foram além, usando o Minecraft e outras plataformas como uma saída para o underground da extrema direita. Uma dessas pessoas era Brandon Russell, cujas explorações nos cantos mais sombrios da internet o levaram do 4chan e do Daily Stormer a uma sala do Tinychat sobre nacional-socialismo, em parte patrocinada pelo American Third Position Party, ou A3P, recentemente renomeado American Freedom Party.

O partido Third Position, derivado do movimento neofascista europeu de mesmo nome, foi formado durante os primeiros dias do Tea Party, a ala conservadora do Partido Republicano. O painel de líderes inclui Kevin B. McDonald, ex-professor de psicologia da Universidade do Estado da Califórnia, que o Southern Poverty Law Center chama de “o acadêmico favorito dos neonazistas”. O cabeça do grupo, o advogado de Los Angeles William Johnson, advogou em favor de uma emenda para deportar imigrantes e pessoas sem pele branca dos Estados Unidos, notavelmente aqueles com “traços de sangue negro”. Quando falei com Johnson ao telefone, ele me disse que a A3P sempre se esforçou para recrutar jovens online.

Brandon Russell cresceu como minoria nas Bahamas, onde nove entre dez pessoas são negras, e foi educado em uma escola multicultural e de elite. Os pais dele, ambos brancos nascidos lá, nunca se casaram. Brandon tinha contato mínimo com o pai, um xerife em West Palm Beach que achava que a mãe e os avós o mimavam. Quando criança, ele foi diagnosticado com TDAH, e mais tarde teve depressão, que tentava mascarar com piadas. “Ele fazia piadas estúpidas que via no 4chan, meio que memes da vida real, o que não é uma boa tática social”, lembra um amigo que conheceu Brandon pelo clube de engenharia da Universidade do Sul da Flórida.

Online, Brandon adotava uma personalidade mais heroica. Usava o apelido “Odin”, em homenagem ao deus mitológico. Integrantes mais antigos do /pol/ o viam como alguém “completamente inofensivo” e “intoleravelmente autista”. Mas ele impressionava garotos mais jovens com sua persona hipermasculina e conhecimentos em material radioativo (ele vinha coletando pequenas quantidades de tório há algum tempo). Devon e Brandon se conheceram em um chat do partido Third Position, e não demoraram a ficar inseparáveis. Vários amigos online notavam que ambos pareciam desequilibrados, brincando com armas em chats em vídeo enquanto falavam sobre fascismo internacional. “Odin é uma bomba-relógio”, previu um colega.

Gradualmente, Brandon e Devon foram atraídos para um ambiente branco-nacionalista mais amplo, no qual nomes como Auernheimer ou o nacionalista dinamarquês “Natural Selector” serviam como embaixadores para comunidades cada vez mais extremistas. Foi o Natural Selector, Brandon disse mais tarde, que o levou à Iron March, uma “comunidade fascista global” com cerca de 1.600 membros. “Eu sou o Odin!”, ele anunciou em sua primeira visita ao site, em março de 2014.

“Pare de encher nosso saco!”, um usuário respondeu.

Em um post de outubro de 2015, no site da Iron March, “Odin” anunciou a formação da Atomwaffen Division, que estava sendo gestada “há pelo menos três anos”. “Somos um grupo bem fanático e ideológico de camaradas que fazem ativismo e treinamento militar.” Nada de “guerreiros de teclado”, acrescentou.

Dezenas de jovens rapazes responderam ao post, que informava que o grupo tinha cerca de 40 membros pelos Estados Unidos, a maioria na Flórida, mas também quase em uma dúzia de outros estados. “Tenho interesse”, postou um jovem de Boston apelidado como Borovikov, em 28 de março de 2016. “Quem devo contatar?”

2. O Efeito Trump

Na noite de 1 de maio de 2016, uma série de panfletos racistas apareceu no campus da Universidade de Boston. “Black lives don’t matter” [vidas negras não importam], dizia um. “Os nazis estão chegando”, estava escrito em outro, assinado como “Atomwaffen Division Massachusetts”.

Um vídeo de segurança exibido em diversos telejornais mostrava um rapaz de moletom preto, que Chris e Emily Oneschuk mais tarde concluíram ser Andrew. O evento, chamado pelos neonazistas de “stickercaust” (em inglês, mistura das palavras “adesivo” e “holocausto”), era trabalho de “heroicos patriotas”, segundo seus apoiadores.

Andrew tinha passado o outono anterior no Bard College at Simon’s Rock. Uma das escolas mais progressistas do país, Simon’s Rock se vende como lar para “mentes independentes”, com aulas semanais antiestresse e uma semana dedicada à “inclusão e justiça social”. Andrew durou apenas um semestre. “Ele chamou uma garota, que era lésbica, de ‘bicha’”, conta Emily. No dia em que foi expulso, fez uma saudação nazista.

Quando retornou a Wakefield, Andrew encontrou seu caminho de volta à Iron March, onde a Atomwaffen estava construindo um pequeno grupo de seguidores. Brandon e Devon, que estavam logo abaixo dele na organização, abriram contas do grupo no Twitter e no YouTube. Em vídeos e fotos, eles cobriam o rosto com máscara e usavam uniforme paramilitar para posar com armas de Airsoft e, mais tarde, rifles de verdade. A primeira ação pública do grupo, em novembro de 2015, envolvia a célula da Flórida – então apenas Brandon e Devon – colando panfletos antissemitas no campus da Universidade Central da Flórida, em Orlando. “Fim de semana bem pernicioso”, Brandon postou no Iron March. “Stickercaust total”, respondeu outro.

Andrew estava entediado, trabalhando em uma pizzaria e estudando na Bunker Hill Community College, em Boston. A bandeira da SS continuava na parede do quarto (ele fez uma concessão e pendurou a bandeira da suástica no guarda-roupa). Preocupada, Emily foi a uma palestra sobre “extremismo violento nascido no país”, dada por um oficial do FBI a quem ela procurou mais tarde. “Você acabou de descrever meu irmão”, disse. O agente lhe deu um cartão de visitas. “Ele deu a entender que não poderia fazer nada.” Ainda assim, frustrada, ela continuou a tentar ajudar Andrew. “Eu não conseguia fazê-lo ver como essas coisas iriam arruinar a vida dele”, diz. “Mesmo depois de ter sido expulso da escola, ele não conseguia enxergar que essas crenças eram um problema. Achava que era tudo culpa de liberais sensíveis demais que o oprimiam.”

A ideia de opressão liberal era uma das linhas exploradas pela campanha de Trump, que Andrew tinha começado a seguir. A retórica raivosa de Trump alimentava o sentimento de injustiça de Andrew. Também o deixava esperançoso – talvez ele não precisasse deixar o país, disse à família. Na primavera de 2016, ele pendurou um pôster de Trump no quarto. No verão seguinte, quando a família foi a Nova York para celebrar o aniversário de 21 anos de Emily, implorou para ir à Trump Tower para comprar um boné com a frase “Make America Great Again”. “Ele estava simplesmente em êxtase”, conta Chris.

Outro jovem rapaz encantado com Trump era Jeremy Himmelman, de 21 anos, nascido em Walpole, uma cidade operária ao sul de Boston. Jeremy era um rapaz engraçado e doce, segundo família e amigos, mas também lutava com TDAH e depressão, além de beber demais. Os pais de Jeremy, que deixou de estudar na adolescência, tiveram ainda outros quatro filhos, e se divorciaram quando ele tinha 7 anos. Desde que deixou a escola, ficou à deriva, vagando pela cena musical de Boston e sendo demitido de trabalhos na construção civil. Encontrou refúgio em videogames: Minecraft, Runescape, Call of Duty. Em meados de 2015, depois de três tentativas de suicídio e uma série de diferentes antidepressivos, ele concordou em passar pela eletroconvulsoterapia (ECT).

Jeremy mudou depois do tratamento, conta a irmã mais nova, Alyssa. “Ele simplesmente começava a falar umas merdas estranhas e randômicas que não tinham sentido.” Passou a se tornar politizado, mas não de maneira estruturada. Depois de testar seu DNA pelo site Ancestry.com, ficou obcecado com seu parentesco alemão e com a ideia de “colocar judeus em câmaras de gás”. “Eu disse para o Jeremy que essas crenças iriam acabar matando-o”, conta Alyssa.

No começo de 2016, ele passou a carregar consigo uma cópia de Mein Kampf. Alyssa suspeitava que o clima político estava ajudando a moldar as novas crenças do irmão. “Não quero botar a culpa no Trump, mas ele teve uma parcela de influência”, ela diz ao se lembrar do irmão usando um boné com a frase “Make America Great Again” em um comício. “Enquanto crescia, Jeremy teve amigos de todas as etnias. Mas, quando Trump começou a espalhar aquela merda cancerígena sobre imigrantes, Jeremy começou a dizer que odiava negros e mexicanos.”

Alguns meses depois do comício, Jeremy se juntou ao grupo de Skype do Atomwaffen, no qual conheceu Andrew. Em pouco tempo, se tornaram melhores amigos. Os dois dividiam o amor pelas armas. “Costumavam ficar bêbados e usar machados para rasgar colchões”, lembra um amigo de Jeremy.

A maioria das pessoas acreditava que a conversão de Devon Arthurs ao islamismo, que ocorreu no início de 2016, não passava de uma fase. Tinha se tornado uma “moda” no círculo dele, de acordo com amigos do Minecraft. Outros dois gamers que também se tornaram muçulmanos tiveram influência primordial em fazer com que Devon se convertesse, embora, segundo o amigo Qaysar, que também se converteu (sob influência de Devon), “ele tivesse uma religião estranha inicialmente. Não era o islamismo de verdade. Era mais uma idealização do profeta Maomé como um ariano branco… sabe, Maomé como um ideal masculino”.

Nesse meio-tempo, Brandon tinha se juntado à Guarda Nacional da Flórida. Grupos neonazistas encorajam seus integrantes ao treinamento militar, nota Matthew Kennard, autor de Irregular Army, por verem o serviço como um treinamento gratuito para a “RaHoWa” – racial holy war [guerra sagrada racial].

Brandon escreveu longos posts sobre a necessidade de treinamento militar e de sobrevivência. Um amigo culpava Devon por essa postura. “Eu disse para o Brandon ficar longe dele”, diz. Enquanto isso, o crescente apoio de Devon ao extremismo islâmico irritou o Iron Board, e ele acabou sendo expulso da comunidade. Mas Brandon continuou ao lado dele. Os dois tinham uma estranha relação de codependência. Brandon tratava Devon quase como um animal de estimação, deixando US$ 20 para ele todas as manhãs, mas também, algumas vezes, controlando o dinheiro ou a comida dele, como uma forma de disciplina. “Acho que era uma viagem de poder do Brandon”, acredita um conhecido. “Era uma amizade bastante tóxica”, diz outro.

Em outubro de 2016, Brandon e Devon foram para Boston. Era a primeira vez que Andrew e Jeremy, a “célula de Boston” do grupo, iria estar com os fundadores do Atomwaffen cara a cara. “Vai ser épico”, Jeremy escreveu para Andrew. Eles tinham planejado fazer caminhadas nas Montanhas Brancas, com uma quantidade generosa de uísque Knob Cree nas malas.

Os dois foram no Dodge Nitro de Brandon até o apartamento que Jeremy dividia com as irmãs. Sem saber que estaria recebendo visitas, Alyssa ficou em choque ao descobrir que eles estavam acampando em um quarto. Devon estava deitado sob uma pilha de cobertores. “Sou um autista!”, disse diversas vezes, e a chamou de vagabunda.

Durante os dias que se seguiram, o comportamento deles não mudou. “Era bastante claro que eram pessoas mentalmente instáveis”, disse um amigo de Jeremy, que tinha dado uma carona ao grupo um dia.

Katie, namorada de Jeremy (que pediu que seu verdadeiro nome não fosse usado nesta reportagem), diz que era fácil enxergar Brandon como “bobo e esquisito”. Uma vez, ele confundiu um gato com um guaxinim. Em uma festa de Halloween à qual Jeremy o levou, Brandon “cagou nas escovas de dentes” das pessoas, mais tarde contou a Andrew. “Sem motivo algum.” Os adultos, porém, o viam como alguém educado, com um aperto de mão firme e a habilidade de olhar as pessoas nos olhos.

Quando resolveu se juntar à Atomwaffen, Jeremy tinha tentado suicídio três vezes em dois anos: duas vezes com overdose de remédios e uma vez cortando os pulsos. Então foi particularmente pesado para ele quando, depois da noite de Ano-Novo de 2017, uma pessoa que se identificou como pai de Brandon ligou para Jeremy e disse que o rapaz havia tentado tirar a própria vida e, naquele momento, respirava com a ajuda de aparelhos.

Havia meses que Brandon insistia para Jeremy ir para a Flórida. “Vai ser ótimo”, ele prometia. Jeremy, sempre sem dinheiro, nunca se comprometia. Mas naquele momento, acreditando que o amigo estava à beira da morte, ele correu para reservar um voo.

Naquela mesma noite, Brandon ligou e disse que estava tudo bem; ele havia pedido que um amigo fingisse ser seu pai ao telefone. “Foi uma piada”, Jeremy contou a Katie. “Que porra é essa?” Mas a passagem não foi cancelada: ele partiria na tarde do dia seguinte. Katie viu isso como um insensível ato de manipulação por parte de Brandon. “Não acredito que você ainda vai vê-los depois disso”, disse a Jeremy.

“Você não entende”, ele respondeu. “Eles são meus irmãos.”

Andrew se juntou a Jeremy na Califórnia, mas em uma semana os dois estavam em um trem de volta para casa. Brandon quase nunca estava em casa; Jeremy passava boa parte do tempo limpando “a bagunça do Devon”, ele contou a Katie alguns dias depois de ter chegado. “Roupas, lixo, comida…”

Jeremy voltou para o apartamento em que morava em Walpole, onde tomava meia garrafa de vodca por dia. As pessoas com quem dividia o apartamento odiavam suas crenças e o faziam dormir no porão. “Era como uma masmorra”, afirma Alyssa. Provocar as pessoas “normais” não era mais tão divertido agora que Trump tinha ganhado a eleição. Gente nascida em Boston criticava o boné com a inscrição “Make America Great Again” e o chamava de racista.

Em março, depois de brigar com os colegas de apartamento, Jeremy foi expulso do lugar. “Eu deveria me enforcar”, escreveu para Andrew. Aquela noite, Jeremy amarrou um laço em uma viga, bebeu vodca e, chorando, ligou para a namorada, que o levou ao hospital. Enquanto se recuperava, ele teve uma revelação pessoal sobre a Atomwaffen. “Ele percebeu que tinha de mudar de vida.”

Aparentemente, Andrew tinha tomado a mesma decisão. “Sei que as minhas crenças me causaram problemas”, disse aos pais em uma tarde de março. A mãe dele parou o que estava fazendo, surpresa. “Eu honestamente não pensei que ouviria Andrew dizer algo assim antes de completar 30 anos”, conta.

Os dois deixaram de frequentar os chats da Atomwaffen ou ao menos tentaram. Uma nova horda de seguidores havia deixado as conversas mais pesadas e radicais, geralmente sob a liderança de um texano que usava o nome “Rape” [estupro]. Quando um rumor em abril de 2017 deu conta de que um integrante da Atomwaffen tinha falado com o FBI, Jeremy entrou em pânico. Andrew não estava tão preocupado. “A gente já está fora faz um tempo”, disse. “Vou cortar contato com o Brandon.”

“Bloqueie ele”, falou Jeremy. “Estou de saco cheio dele.”

Mas parecia impossível para Jeremy realmente cortar laços com Brandon, que se mostrava desesperado para fazer com que ele voltasse à Flórida. Katie suspeitava que o fundador da Atomwaffen tinha voltado a influenciar Jeremy. Do nada, “Jeremy começou a dizer que era patético ele estar morando comigo, e que ele não era homem de verdade”, diz Katie. Jeremy contou a Andrew que estava péssimo. “Eu quero sair daqui”, afirmou, jogando no ar a ideia de os dois saírem de Boston. “A gente poderia ir para a Flórida por três meses, sem ter que pagar aluguel.”

“Espero que nunca tenhamos que ir para a Flórida”, Andrew respondeu. “Prefiro viver em um acampamento para sem-teto no Alasca antes.”

Mas Jeremy insistiu. De certa forma, ele precisava da Atomwaffen – era, para o bem e para o mal, a comunidade dele. Olhando para trás, Chris Oneschuk diz que “Andrew se importava com Jeremy e não queria que ele cometesse suicídio. É por isso que foi para a Flórida.”

Jeremy prometeu a Andrew que essa viagem seria diferente da última. “Vamos deixar bem claro para o Brandon que ele não vai colar um adesivo sequer enquanto estivermos lá”, escreveu.

3. Garotos Perdidos da Atomwaffen

A nova casa de Brandon tinha dois quartos, era pouco mobiliada e tinha roupas, sapatos e embalagens vazias de comida espalhadas. Ele estava mais presente do que esteve em janeiro, mas também estava mais esquisito e grosseiro. “Ele dirige por aí oferecendo US$ 20 para moradores de rua dizerem ‘o holocausto nunca aconteceu’ enquanto os filma”, Jeremy contou a um amigo.

Devon encontrou um novo caminho. Raramente saía de casa, passando os dias online e lendo o Alcorão. Tinha entrado “totalmente para o islamismo”, como um amigo virtual mais tarde notou. Aparentemente, também tinha jurado fidelidade ao Estado Islâmico, consumindo vídeos de recrutamento e fantasiando sobre fazer a hégira ou a peregrinação sagrada para Raqqa. Muitas pessoas na internet passaram a se questionar sobre se deveriam reportá-lo ao FBI. “Mas ele nunca ameaçou agir, então não queríamos arruinar a vida dele.”

Não está claro o quanto Andrew e Jeremy realmente desaprovavam a Atomwaffen. Dada a dedicação de Brandon e Devon a atividades extremas, por que os dois rapazes de Boston teriam decidido passar o verão na Flórida? A princípio, os dois pareciam estar tentando tirar o melhor da experiência. “É ótimo aqui”, Andrew contou a um amigo de Massachusetts, a quem estava tentando persuadir a visitá-los. “É ensolarado, a gente pode ir pescar, podemos sair.” Mas aos poucos o ambiente foi mudando – o calor e a chuva tropical do estado não se pareciam com nada que eles já tivessem experimentado. “É uma merda”, Jeremy contou a Katie.

Paralelamente, Devon não cansava de tentar convertê-los ao Islã. Em um dia, ele bradava contra o uso de maconha; no outro, condenava a homossexualidade e culpava os Estados Unidos por destruírem tudo que lhe era importante – era uma bagunça dentro da cabeça dele, mas de alguma maneira as coisas tinham sentido em meio a seu jeito superarticulado, e ele podia discorrer por horas. “Acorde para a gente poder sair deste buraco de merda”, Jeremy escreveu em uma manhã para Andrew, quando estava em uma outra parte do apartamento. “Não quero ouvir esse mané rezando mais nenhum minuto sequer.”

Mais ou menos uma semana após chegarem a Tampa, Andrew e Jeremy foram contratados em uma unidade de reciclagem, por US$ 11 a hora. “O Devon ainda está te deixando maluco?”, Chris perguntou quando se falaram ao telefone em 17 de maio. Andrew disse que sim, mas que estava preso à Flórida por causa do trabalho temporário que havia arrumado. Chris disse a ele que simplesmente voltasse para casa. “Eu sempre começo as coisas e depois não consigo terminar”, afirmou Andrew. “Saio daqui assim que finalizarmos o trabalho.”

Mas Andrew mudou de ideia. Quando Jeremy falou com Katie na sexta, 19 de maio, ele disse que Andrew planejava deixar o lugar na segunda seguinte. “Andrew realmente odeia Devon e Brandon e os dois descaradamente o odeiam de volta. Vou sentir falta dele.” Mais tarde, por volta das 17h, Katie mandou mensagem para Jeremy com um coração. “Vamos fazer uma ligação de vídeo?”

“Estou com Andrew e Devon, talvez mais tarde”, ele respondeu.

Ela disse que iria, então, tirar uma soneca. Foi a última vez que se falaram.

O estado da Flórida tem a segunda maior concentração de grupos de ódio dos Estados Unidos, grande parte localizada entre Orlando e Tampa. Mas até 19 de maio de 2017, a polícia não sabia da existência da Atomwaffen Division.

Devon rapidamente confessou ter assassinado seus colegas de apartamento, dizendo que o fez durante uma discussão sobre o islamismo. Mas, como mostram gravações feitas enquanto ele estava sob custódia, há outras coisas por trás do crime. “Estava pensando, tipo, como eu poderia ter feito isso?”, disse a detetives. “E a única coisa que eu consegui pensar, de maneira racional, é que se eu não tivesse feito… Não seriam apenas duas pessoas mortas, haveria muito mais gente.” Ele admitiu que as coisas que dizia pareciam loucura, mas insistia que “eram reais”. “A intenção deles era verdadeira.”

Brandon, que ainda estava usando seu uniforme da Guarda Nacional, foi interrogado pela polícia às 3h da manhã do dia seguinte. “Vamos ser francos: suas crenças políticas são inclinadas ao neonazismo, certo?”, perguntou um policial.

“Me considero um nacional-socialista”, Brandon respondeu. “Apenas usando os termos apropriados.”

A polícia mudou a conversa sobre as atividades online de Brandon. “Eu disse um monte de coisas na internet”, afirmou o rapaz.

“Ameaças? Você já ameaçou matar alguém?”

“Não de uma maneira que não fosse satírica”, respondeu.

“Algo como ‘morte aos judeus’?”, o policial perguntou. “Você fazendo uma piada assim… todo mundo acharia engraçado?”

“Talvez eu devesse falar com meu advogado.”

Brandon acabou sendo dispensado, já que a polícia concluiu que ele não tinha ligação com os assassinatos. O FBI, paralelamente, ainda estava investigando a natureza dos explosivos encontrados na garagem. Horas depois, um mandado federal foi expedido para a prisão de Brandon, com a acusação de posse de material destrutivo não registrado e a posse ilegal de material explosivo. Mas naquele momento ele já tinha saído da cidade e estava a caminho de comprar mais armas.

Brandon disse que tudo que queria era visitar o pai, xerife em West Palm Beach. Em vez disso, logo depois de ter sido deixado em casa, ele entrou no Nitro e dirigiu uma hora em direção a Bradenton, onde pegou um amigo da Atomwaffen que prontamente pediu demissão e sacou todas as economias que tinha, algo em torno de US$ 3 mil. Os dois foram a uma loja de armas, onde compraram legalmente um rifle de caça e uma arma ao estilo da AR-15.

Em 21 de maio, cerca de 48 horas após os assassinatos, o carro de Brandon foi visto em Key Largo; ele foi preso no estacionamento de um Burger King.

Cinco semanas após os assassinatos, a Atomwaffen lançou um novo site, refletindo uma visão de mundo quase apocalíptica. “Foda-se a esperança”, dizia um pôster. Rape – recentemente identificado como John Cameron Denton, texano de 24 anos – assumiu um papel de liderança, levando a Atomwaffen a uma direção ainda mais extrema. No canal do YouTube, há vídeos mostrando sessões de treinos táticos, chamadas de “Hate Camps” [acampamentos do ódio], com rifles e outras armas. Um membro me disse que os números deles cresceram muito após os eventos de Charlottesville.

Se os membros fossem extremistas islâmicos não brancos, certamente as coisas seriam diferentes, frisa Pete Simi, especialista em movimentos de extrema direita da Chapman University. “As forças dos Estados Unidos, aqueles que fazem as leis e o povo em geral tendem a perceber extremistas de direita de maneira a sublimar sua importância e diminuir a ameaça que eles apresentam”, afirma. “Para nós é mais difícil entender como ameaça aqueles que são mais próximos do status quo.”

Em 8 de junho de 2017, Devon Arthurs foi acusado pelo assassinato de Andrew Oneschuk e Jeremy Himmelman. Mais tarde, foi declarado que tinha problemas mentais e internado no Florida State Hospital para tratamento psiquiátrico. Dois dias depois de Brandon Russell ter sido acusado pela posse dos explosivos, em 7 de junho de 2017, ele teve fiança liberada por um juiz federal que disse não ter encontrado “evidências claras e convincentes” de que o rapaz era uma ameaça. Só depois de uma apelação que durou 11 horas é que a decisão do juiz foi revogada e a fiança anulada. Brandon acabou se declarando culpado, mas sem fornecer nenhuma informação sobre a Atomwaffen, e foi sentenciado a cinco anos de detenção no Coleman Federal Correctional Institute, em Wildwood, Flórida.

Algumas semanas depois da sentença, Brandon ligou para a família de Jeremy. “Ele falou com a minha irmã”, Alyssa me contou. “Acho que queria passar pelo luto com a gente ou algo assim. Queria que minha irmã soubesse que Jeremy estava realmente feliz antes de morrer.”

Reportagem Adicional de Daniel Costello