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Reconectando o Radiohead

Como a banda mais experimental da música atual aprendeu a fazer rock novamente

David Fricke/ Tradução: Ligia Fonseca Publicado em 11/05/2012, às 12h50 - Atualizado às 13h53

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Radiohead na capa da edição 68 da <i>Rolling Stone Brasil</i> - Divulgação
Radiohead na capa da edição 68 da <i>Rolling Stone Brasil</i> - Divulgação

Leia abaixo um trecho da matéria de capa da edição 68 da Rolling Stone Brasil, nas bancas a partir de 15/5

Thom Yorke entra na sala do bufê nos bastidores da American Airlines Arena, em Miami, usando uma camiseta escura, calça jeans vermelha justa e um sorriso torto. “Estou me sentindo silenciosamente empolgado – e silenciosamente nervoso”, diz o líder do Radiohead enquanto prepara uma xícara de café. Yorke chegou tarde, ontem, da Inglaterra – seus olhos ainda estão pesados por causa do jet lag – e ele deve subir ao palco em breve para o último ensaio do Radiohead antes do lançamento da maior turnê da banda britânica desde 2008: 58 shows em dez meses na América do Norte, Europa, Ásia e Austrália.

A abertura é aqui, amanhã à noite. “Tudo – a produção, as novas luzes, o repertório – ainda é um trabalho em andamento”, comenta Yorke. “Mas está finalmente começando.” Logo depois ele é ouvido aquecendo a voz atrás de uma porta fechada, ensaiando escalas em um trinado agudo e preciso, sustentando notas em “aaaahs” longos e limpos. O Radiohead não está apenas iniciando uma turnê – está revelando um renascimento. O grupo está encerrando uma das eras mais desafiadoras e confusas de sua carreira: quase três anos de silêncio em público e caos privado durante os quais o Radiohead lutou com a reinvenção e seu futuro. Fez algumas de suas mais belas músicas em seu álbum menos popular, The King of Limbs, do ano passado, mas não o promoveu e ficou longe da estrada, sem saber ao certo como ou se poderia ser uma banda ao vivo novamente. “Ainda estamos nos debatendo”, admite Yorke, sentado em um dos camarins da banda. Ele relembra as primeiras sessões de ensaio para esta turnê. “Fiquei apavorado, falando: ‘Ah, não, não vai dar tempo. Quero fazer muitas coisas novas’.”

Só que no palco, um pouco depois, Yorke e o restante do Radiohead – o baixista Colin Greenwood, os guitarristas Ed O’Brien e Jonny, irmão mais novo de Colin, o baterista Phil Selway e o novo segundo baterista Clive Deamer, que tocou com o grupo no ano passado – soam exuberantes e confiantes enquanto apresentam “Bloom”, de The King of Limbs. O que no disco parecia um enigma envidraçado de loops e encarnação fantasmagórica agora é água corrente, organizada na nova formação de seis músicos como uma fúria de ritmos e guitarras agudas abafadas. “Morning Mr. Magpie” também está mais pesada e rápida do que a versão de Limbs, enquanto “Meeting in the Aisle” – uma faixa instrumental das sessões de OK Computer, de 1997 – é tocada com um tempero novo, como surf music turca com um passo de trip-hop.

O Radiohead trabalhou mais de 75 músicas para os shows de 2012, incluindo material composto durante ensaios no começo deste ano no estúdio da banda, em Oxford. Algumas inéditas serão tocadas hoje, “Identikit” e “Cut a Hole”. Yorke, 43 anos, descreve a primeira como “alegre, lenta, mas com uma batida instável de hip-hop”. Ele sorri. “Essa rastejou até o topo e virou líder da turma.” Colin, 42 anos, está empolgado com outra nova, “Full Stop”, particularmente a parte “onde a voz de Thom se transforma neste falsete incrível. A música simplesmente decola”.

Em uma entrevista antes do ensaio, Yorke credita a renovação ao vivo do Radiohead à entrada de Deamer, que veio de outro grupo britânico, o Portishead. “Ter mais um músico para revisitar coisas antigas foi tão importante quanto compor coisas novas”, afirma Yorke. Ele está jogado no sofá, mas sua voz vibra com uma energia incansável. “Ao longo do caminho”, diz, “você descarta músicas, porque só consegue fazê-las de uma certa maneira. É bom ter um novo sopro de vida nelas. Ninguém precisa perguntar: ‘Como é aquela música mesmo?’. É: ‘Como podemos melhorá-la agora?’” O melhor exemplo neste ensaio é a faixa-título de Kid A, de 2000. Gravada no auge do ódio de Yorke pelo convencionalismo das bandas de guitarras, “Kid A” mal era uma música – parecia uma nuvem de efeitos sonoros com Yorke cantando através de um vocoder como uma criança-robô. Hoje, ela soa imensa e metálica, um raio de duas baterias em duelo com um temperamento impactante e clássico nos acordes de piano, tocado por Jonny. “Era uma antimúsica”, afirma O’Brien no dia seguinte, em um salão com vista para o mar no hotel do Radiohead. “Agora, é algo mais acolhedor, especialmente o final. De repente, há um nascer do sol.” Por muito tempo, cóem muitas músicas da banda, admite, “nada podia ser genuinamente belo. Jonny sempre foi brilhante quanto a jogar uma guitarra dilacerante nas coisas”. “É bem o que somos – e Clive trouxe isso”, diz O’Brien, 44 anos. “Quando os Beatles contrataram [o tecladista] Billy Preston, não disseram que todos começaram a se comportar direitinho?”, ele diz, rindo. “Ter alguém decompondo a energia – isso é algo bom. Acabou com os velhos hábitos de todo mundo.” Ele continua: “Você escuta isso o tempo todo. Essas bandas dizem: ‘Estamos na melhor fase de nossa vida’. E não fazem música muito boa. Fico relutante em dizer isso. Não é nossa melhor fase. É uma fase diferente – e boa. Não há a sensação de uma banda nova. Parece uma banda que se conhece.”


Yorke não tem tanta certeza – ainda. “É estranho não ter uma versão definitiva gravada”, ele diz sobre as novas músicas, “porque é aí que você toma as decisões finais. Ensaiar novas coisas, sem estarem gravadas, com um sexto membro na banda...” Ele revira os olhos em um terror falso. “É tudo muito fluido. Não sei bem o que é.” Jonny, 40 anos, sentado no sofá perto de Yorke, lembra a chegada do vocalista para o primeiro dia de ensaio em Oxford: “Ele veio e disse: ‘Sonhei que tínhamos um mês a mais para ensaiar’. Pensei: ‘Não seria ótimo?’”, diz. “Ainda não tocamos para ninguém, então não sabemos se é bom”, afirma Yorke. “Podemos nem descobrir isso amanhã”. Ele dá aquele sorriso torto. “Talvez leve um tempo.”

O Radiohead grava discos há 20 anos. 2012 marca o 20º aniversário do EP de estreia, Drill, e o lançamento do sucesso “Creep”. Desde então, o Radiohead fez a movimentação mais estranha entre todas as grandes bandas de rock. Seus álbuns de sucesso, incluindo dois números 1 nas paradas norte-americanas, Kid A e In Rainbows, de 2007, são escorregadios e stremecedores: misturas e colisões de dinâmicas violentas de guitarras, eletrônica críptica para as pistas de dança e baladas espinhosas e elípticas. O último álbum “convencional” do Radiohead, de acordo com o produtor de longa data, Nigel Godrich, foi o clássico do rock artístico OK Computer. “Essencialmente, aquele foi um disco de guitarras explorando outras dimensões”, afirma Godrich. O Radiohead iniciou cada álbum seguinte da mesma forma. “Começamos”, diz O’Brien, “com o que não queremos fazer em seguida”. Houve um trabalho paralelo substancial nos últimos anos. O primeiro disco solo do baterista Phil Selway, Familial, saiu em 2010. Yorke praticamente concluiu o primeiro álbum de estúdio da banda dele, Atoms for Peace. Jonny, compositor prolífico para trilhas sonoras e orquestras, acabou de lançar um disco com o compositor polonês Krzystof Penderecki. Uma banda independente desde o final do contrato com a EMI, em 2003, o Radiohead também explora formas alternativas de lançar música. In Rainbows foi disponibilizado inicialmente como um download “pague o que quiser”. Uma belíssima faixa de 2009, “These Are My Twisted Words”, era gratuita. The King of Limbs foi um choque absoluto: um download com uma semana de aviso prévio e nada de publicidade da banda. O CD foi lançado um mês depois. Só que o ataque-surpresa, combinado com a contenção atormentada da música, foi um tiro que saiu pela culatra. “Claramente havia gente interessada na música da banda, mas que não sabia que o Radiohead tinha lançado um disco”, diz Bryce Edge, um dos empresários do grupo. Até hoje, The King of Limbs vendeu 307 mil cópias nos Estados Unidos – foi o primeiro álbum do Radiohead a não ganhar um disco de ouro no país. No entanto, esse número, destaca Edge, “não inclui todas as coisas digitais que vendemos” – uma estimativa de 300 a 400 mil cópias adquiridas no site do grupo. “A maioria dessas vendas foi da banda para os fãs”, diz o coempresário Chris Hufford. “Financeiramente, provavelmente foi o disco mais bem-sucedido que o grupo já gravou, ou quase isso. Em um acordo tradicional, a gravadora fica com a maior parte do dinheiro.”

O Radiohead só fez três shows em 2011, depois de recrutar Deamer para ajudar a recriar o emaranhado sobreposto de loops de bateria em The King of Limbs: foram uma aparição-surpresa no festival Glastonbury, na Inglaterra, e duas apresentações concorridíssimas no Roseland Ballroom, em Nova York. Portanto, agora a banda está exagerando: o longo itinerário norte-americano inclui datas em festivais, duas no Coachella e uma no Bonnaroo. O’Brien diz que o grupo já “conversou sobre como os shows podem evoluir, talvez fazê-los em três partes – ou três movimentos, como quiser”. Colin está empolgado com a perspectiva de tempo de estúdio ao longo do caminho. “Talvez façamos alguma coisa rápida”, afirma, “entrar em algum lugar em um final de semana e tocar”. A maioria da turnê tem períodos de três semanas com intervalos consideráveis, em parte devido a questões familiares. Todos ainda moram na região de Oxford, exceto O’Brien, que vive em Londres, e todos são casados, exceto Yorke, que está com a namorada, Rachel Owen, desde que eram estudantes na Universidade de Exeter. Os cinco são pais ocupados. Colin, Jonny e Selway têm três filhos cada um; Yorke e O’Brien têm dois. “Meus filhos vão mudar de escola em setembro”, comenta Selway, 44 anos. “Queria estar por perto.”

No entanto, há uma forte sensação nas entrevistas realizadas para esta matéria no ano passado – em Oxford, Londres, Nova York e, finalmente, Miami – de uma banda ansiosa para conquistar o mundo novamente depois de passar tempo demais perto de casa. O primeiro show no Roseland, em setembro, foi, segundo O’Brien, “uma grande lição. A passagem de som foi um pesadelo. Os monitores eram uma porcaria – não conseguíamos nos ouvir. Sentimos que estávamos mal preparados. Mas sabe de uma coisa? Tudo bem. Nossos empresários falavam: ‘Foi um show entre os cinco melhores!’”

“Foi uma viagem – a melhor injeção de adrenalina que tive em anos”, diz Yorke. “Não parecia que estávamos andando pelo mesmo caminho, caminhando sobre nossos túmulos. Ainda estávamos vagando na escuridão, tropeçando. Foi bom.” Colin é mais pensativo na análise: “Isso nos fez sentir como uma banda de rock novamente. É bom estar em uma banda em estilo horário comercial: acordar com as crianças, levá-las para a escola, trabalhar um pouco, voltar para casa. Só que vejo meus amigos em Oxford com empregos nos quais trabalham muito e dos quais não gostam, e isso me frustra. Temos um trabalho que é uma paixão. Roseland nos fez lembrar de quão bom poderia e deveria ser”.


A banda fala de The King of Limbs como se fosse algo inacabado, um álbum com um futuro e um público ainda esperando por ele. Eles não estão fazendo uma turnê este ano “especificamente para vender esse disco”, afirma Selway. No entanto, acrescenta, “espero que as pessoas se conectem com ele por meio disso”.

“Foi incrível simplesmente lançar o álbum daquele jeito”, diz Yorke. “Mas também pareceu que ele não existia realmente.” Ele menciona uma conversa que teve sobre o disco, alguns meses depois do lançamento, com Phil Costello, amigo da banda e ex-executivo em sua antiga gravadora, Capitol. “Ele dizia: ‘Já era, acabou’. Sério? Droga.”

“Só que essa foi a consequência do que escolhemos fazer”, diz Yorke. “Você pode ficar chateado com isso ou dizer: ‘Bem, não foi bom o suficiente’.”

É uma tarde agradável de outono em Nova York, o dia antes do primeiro show no Roseland, e Yorke – entre goles de chá no lobby de um hotel no centro da cidade – está relembrando as noites de sexta na faculdade, trabalhando como DJ enquanto corria atrás do diploma em artes. O Radiohead era uma operação em meio período, compondo músicas e fazendo demos com o nome original, On a Friday, durante as férias dos membros. “Eu não era particularmente bom”, diz Yorke sobre o trabalho, “porque as pessoas me pagavam bebidas para que tocasse o que queriam ouvir. No final da noite, não conseguia enxergar os discos”. Ele se lembra de misturar faixas de electro-dance de uma dupla belga, Cubic 22, e do trio inglês 808 State com o grunge de Seattle. Gostava especialmente da maneira como bandas de Manchester, como Happy Mondays e Stone Roses, fundiam a psicodelia dos anos 60 com a cultura rave britânica. “Foi algo que acabou”, reclama Yorke. “De repente, as guitarras eram o caminho autêntico a seguir. Fizemos parte disso.”

Desde OK Computer, Yorke persistentemente lutou para aumentar a distância entre sua banda (e a instrumentação costumeira) e a típica gravação de rock. “Falei sem parar sobre isso enquanto fazíamos In Rainbows”, diz. “Era uma frustração constante o fato de irmos na direção oposta.” The King of Limbs é a realização do sonho do Yorke aprendiz de DJ: fundamentos do rock totalmente transformados pela eletrônica. As partes de bateria, baixo e guitarra são samples, tocados individualmente pelos membros do Radiohead, depois manipulados, montados em loop e montados em faixas moldadas pelas melodias tipo devaneio de Yorke e letras em estilo poesia haiku. “Lotus Flower”, “Codex” e “Give Up the Ghost” flutuam e pulsam mais como sugestões do que músicas, murmúrios exóticos sem pressa de se tornar declarações. “Consigo ver por que [esse disco] alienou as pessoas”, diz Yorke sobre o álbum. “Não percebi que ele era um planeta próprio.”

“Não queríamos pegar as guitarras e escrever sequências de acordes”, comenta Jonny, sentado em um café de Londres perto dos estúdios da Abbey Road, onde o Radiohead gravou parte do segundo álbum, The Bends, de 1995. “Também não queríamos sentar diante de um computador. Queríamos uma terceira coisa, que envolvia tocar e programar.”

Foi uma longa caçada: o Radiohead trabalhou em The King of Limbs em intervalos de maio de 2009 a Janeiro de 2011. Alto e tímido, constantemente tirando uma longa cortina de cabelo negro do rosto, Jonny é o único integrante do Radiohead sem diploma universitário: abandonou os cursos de psicologia e música na Oxford Polytechnic College quando a banda assinou o contrato com a gravadora, em 1991. No entanto, provavelmente é o melhor músico do Radiohead: um violista classicamente treinado que também toca violino, violoncelo e teclado. Jonny também criou o programa de software utilizado para samplear os instrumentos em The King of Limbs. “Nunca fui tão feliz”, conta, “quanto na minha infância, quando ficava no meu quarto trabalhando em jogos ruins para computador.” Ele acrescenta, voltando ao álbum: “Os impasses que tendíamos a atingir foram quando sabíamos que alguma coisa era ótimo, como ‘Bloom’, mas inacabado. Sabíamos que a música era quase alguma coisa. Então, Colin tinha aquela linha de baixo e Thom começou a cantar. Essas coisas de repente tornaram a música 100 vezes melhor. As outras partes estavam só esperando pela coisa certa.”


“Eles são diferentes de todas as outras bandas no estúdio”, afirma Godrich, que trabalhou em todos os álbuns desde OK Computer. “Não poderiam gravar ‘Bohemian Rhapsody’ porque não são tão atentos assim. Se não acontece de cara, o Thom fica confuso. Não é o jeito dele.” Godrich cita uma música clássica do Radiohead que nunca foi acabada em estúdio, “True Love Waits”, uma balada popular em shows: “Tentamos gravá-la inúmeras vezes, mas nunca deu certo. A ironia é que você tem essa versão porcaria ao vivo [no miniálbum de 2001 I Might Be Wrong]. Tenho de dar crédito ao Thom, ele precisa sentir que uma música tem validação, que tem um motivo para existir como gravação. Poderíamos gravar ‘True Love Waits’ e fazê-la soar como John Mayer. Mas ninguém quer isso”.

O Radiohead não promoveu Limbs com uma grande turnê no ano passado por dois motivos. Um: “Achávamos que poderia não ser reproduzível”, diz Jonny. O outro “foi parcialmente minha culpa”, reconhece Yorke. O álbum “lançou uma carga enorme de possibilidades estranhas”. Ele queria voltar direto ao estúdio, mas depois decidiu contra “continuar na mesma rota. Não poderíamos fazer isso, não poderíamos tocar ao vivo: ‘Ai, droga, e agora?’” Deamer, 51 anos, um baterista veterano de jazz e dance music que já trabalhou com Robert Plant, foi a resposta. “Amo o estilo dele há muitos anos”, diz Selway. “Parecia a pessoa certa a buscar.” No início de 2011, os dois começaram a dissecar as novas músicas e decidir quais das muitas partes de bateria poderiam tocar viavelmente ao vivo. Um ano depois, Selway está falando comigo ao telefone após o último dia de ensaios do Radiohead para a turnê: “Tudo está escancarado”, declara o baterista em uma versão empolgada de sua voz suave e cavalheiresca. “Ver essa dinâmica entre nós seis render frutos – iniciamos algo. Muitas bandas nesta fase não têm essa oportunidade. Ou a perdem.”

No entanto, diz Yorke, “jamais poderíamos ter criado o que estamos fazendo agora, ao vivo, se não tivéssemos sentado na frente de turntables e samplers, montando o disco nesse método. Ele jamais teria se transformado nessa coisa dinâmica.” Quando perguntado quais músicas em The King of Limbs mudaram mais ao vivo, Yorke menciona “Lotus Flower”. “Com os dois bateristas, de repente ficou suja”, diz. “Gosto muito disso.” Ele concorda que “Give Up the Ghost” – uma balada esparsa e repetitiva no álbum – se tornou uma coisa diferente no show: uma oração estrondosa e circular enquanto Jonny sampleava e manipulava o vocal de Yorke ao vivo. “Você também está sampleando o que o microfone está captando do ambiente”, explica o vocalista. “Está pegando o ambiente de volta repetidamente. Como isso vai soar em um estádio...” Os olhos de Yorke se arregalam de prazer. “Tinha me esquecido disso. Pode ser alguma coisa.”

Em uma noite fresca de verão em Oxford, Colin está caminhando até um pub no centro velho da cidade, mostrando locais históricos ao longo do caminho. Aponta para uma porta estreita que leva à Modern Art Oxford, uma galeria proeminente. Quando não estavam tocando juntos ou na escola, os jovens membros do Radiohead ficavam no lounge do porão, “conversando sem parar, cada um de nós com uma única xícara de café, por cinco horas”, conta Colin. Dobrando a esquina, ele mostra uma loja – Cult, uma cadeia de lojas de roupas – e comenta com um sorriso perplexo que Yorke trabalhava como vendedor em outra unidade. É uma imagem improvável: Yorke, um homem pequeno com energia impaciente e ironia letal, vendendo jeans de marca. Ao passar por uma cabine telefônica, Colin relembra as primeiras tentativas errantes do Radiohead de gravar discos antes de conseguir o contrato com a EMI. “Não havia e-mail nem celulares”, conta o baixista. “Entrávamos em uma cabine, colocávamos as moedas e ligávamos para um estúdio.” Uma vez, quando perguntaram quanto custava uma sessão, “o cara respondeu: ‘Novecentas libras’. Dissemos ‘Obrigado!’ e desligamos.” No final, o Radiohead gravou a maior parte do primeiro álbum, Pablo Honey, de 1993, em um estúdio cogerenciado com um produtor que tinha trabalhado com a versão blueseira do Fleetwood Mac nos anos 60.

Chegamos ao Bear Inn, um pub verdadeiramente antigo (aberto em 1242) com teto perigosamente baixo. Colin, que nasceu em Oxford, e Yorke – nascido em uma pequena cidade na região East Midlands, chamada Wellingborough, e que morou um tempo na Escócia – se conheceram na pré-adolescência. Ambos faziam aula de violão clássico na Abingdon School, fora de Oxford. No Bear, os dois compravam bebidas mesmo sendo menores de idade e conversavam sobre os modelos para a banda que planejavam formar: New Order, Talking Heads e a preferida de Yorke, R.E.M. Tomando uma cerveja ale em uma mesa de piquenique fora do Bear, Colin se lembra com carinho “da emoção do barulho” nos primeiros shows locais do Radiohead, “quando você tocava em um pub, emprestando o amplificador de baixo Fender de um cara mais velho e tomava quatro latas de cerveja para criar coragem. Fizemos isso para nosso primeiríssimo show. Era a 20 minutos de caminhada naquela direção”. Ele aponta para a rua atrás do Bear, rumo à Jericho Tavern. O Radiohead fez seu primeiro show ali, em 1986, com o nome On a Friday, depois de um dia normal de ensaios, quando todos os integrantes estavam na Abingdon School. Selway, o mais velho, tinha 19 anos; Jonny ainda nem tinha feito 15.

Mais tarde, do lado de fora de um restaurante em um bairro residencial, Colin nota outro templo do Radiohead: a casa perto da esquina da Magdalen Road com a Ridgefield Road que Colin, Selway e O’Brien alugaram no verão de 1991. A banda guardava seus equipamentos e todos os cinco membros moraram ali, em combinações diferentes, por cerca de um ano. “Época boa”, diz Colin com um suspiro, “embora Jonny nunca lavasse a roupa.” Selway caracteriza esse período como “um bom treinamento para o ônibus de turnê. Havia pilhas de caixas de pizza em um canto. Ficava tão insuportável que alguém tinha de fazer a limpeza. Eu ia e vinha na maior parte do ano. Lembro que Colin se mudou para meu quarto depois que o decorei direitinho.” Yorke chegou depois de se formar em Exeter. “Voltávamos dos shows”, conta, “e escutávamos a secretária eletrônica. Havia mensagens de dez executivos de gravadoras.”


A casa na Ridgefield Road foi o final da adolescência do Radiohead – o momento no qual eles se tornaram uma banda em tempo integral, obcecada com o trabalho e a progressão dele. Jonny descreve um Natal quando ainda estava na escola e os outros estavam de férias da faculdade: “Ensaiávamos em um salão na cidade todo dia, inclusive na véspera de Natal. Era insano. Não havia conceito. Estávamos trabalhando nas músicas por algum motivo futuro nebuloso em que não tínhamos pensado direito”.

“Esse é o tempo intenso em que passamos juntos”, diz. “Sempre foi assim. Nossa gangue girava principalmente em torno de tocar instrumentos, músicas das quais falar.”

“Acho que foi nesse momento que compusemos ‘Creep’”, conta Yorke quando pergunto sobre aquele Natal. “Há esses períodos em que você fica energizado. Não dá para se forçar a aguentar, mas quando estamos trabalhando, quando está acontecendo e está tudo bem, todas essas coisas simplesmente acontecem.” A aversão de Yorke à estrada apareceu cedo, assim como seu desgosto pela compostura de “jogar o jogo”, esperada de uma banda de grande gravadora.

O empresário Edge se lembra de “um show famoso” em Las Vegas “quando fizemos uma rota ridícula por causa da aparente falta de conhecimento de geografia dos promotores norte-americanos. Estávamos em um show para uma rádio, abrindo para o Tears for Fears, e todos estavam mal-humorados”. Durante o show, “em um surto de raiva”, Yorke destruiu metade das luzes do palco. Edge afirma que “a ideia de ele fazer alguma coisa desse tipo agora não existe mais”. Só que Yorke olha para sua versão não muito mais jovem – especialmente o antiastro atormentado preservado em Meeting People Is Easy, o documentário de 1999 sobre a turnê de OK Computer – sem se desculpar. “Estava entediado”, ele declara simplesmente, nos bastidores em Miami, sobre a aura de zumbi agressivo dele no filme. “Amava aquele disco, mas a ideia de ficar preso com aquelas músicas por um ano e meio, no mesmo formato, sem mudança nem nada – lutei contra isso. Acabávamos uma música e eu ficava lá, congelado. Agora entendo por que fizemos todos aqueles shows”, confessa Yorke. “Em caso contrário, não estaríamos onde estamos, mas perdi a calma. Passamos por fases diferentes – aquela foi uma fase ruim.”

“O que mudou em nós”, comenta Jonny, “foi que, desde o início, nossa obsessão era com as músicas. Como um derivado disso, agora fazemos turnês.”

“Não era um bando de amigos” na Ridgefield Road, observa O’Brien, “mas estava mais para um bando de coconspiradores. Tínhamos uma meta em comum. Só se tratava disso, de sonhar. Tudo o que temos agora – não havia dúvida alguma de que isso iria acontecer. E aconteceu, porque o mundo material entendeu. Só que digo uma coisa – eles são meus irmãos. Alguns não percebem isso, mas estaremos um no funeral do outro. Enfrentamos muita coisa. Somos uma família.” Este é “um ponto forte que não reconhecemos realmente para nós mesmos”, diz Colin. “Somos ingleses demais.”

“Há um lado físico nisso que acho interessante – a respiração”, afirma Yorke. Ele está tentando explicar o que pensa e o que sente quando canta. “É um estado meditativo, como estar na estação do metrô quando o trem está se aproximando. As coisas passam por você – trens, pessoas. Demorei alguns anos para aprender a fazer isso”, ele diz, sobre tocar ao vivo, em uma entrevista durante o café da manhã em Londres em julho do ano passado. “Vendo pessoas como Michael Stipe e Jeff Buckley – percebi que este é um lugar bom para ir. Tudo bem fechar os olhos.” Mais tarde naquele dia, o Radiohead se encontrou com Edge e Hufford para discutir a turnê de 2012. Depois, O’Brien descreve a reunião como “carregada”.

Yorke já parece desconfortável comendo sua omelete de claras. “O nível de aparato me assusta, às vezes. Você anda pelos bastidores e há gente e coisas por todo lugar. Nunca quisemos ser grandes”, afirma. “Não quero ser amado assim. Você pode dizer que isso é egoísta, e também que se trata de alguém que se diverte com o que faz: tentar mexer com sua cabeça.” Yorke pronuncia a última frase com gosto. “Porque é disso que se trata”, continua, “jogar a rede, criar caos e confiar que algo sairá disso – não entrar em pânico, simplesmente ter uma fé cega e seguir com todas essas peças. Essa ideia – onde a banda estará daqui a cinco anos? Foda-se. Estou procurando por diamantes na sujeira”.


“Thom tem o detector de merda mais preciso da banda”, diz O’Brien, maravilhado, em Miami. “É esse equilíbrio – uma vida intensamente crítica, com uma capacidade de sentir, de ter uma ótima intuição. Não estamos necessariamente tomando as decisões de negócio mais inteligentes, mas estamos seguindo nossa intuição. Tem apenas a ver com a arte.”

“Este é um trabalho em andamento – é essa a parte de que eu gosto”, confirma Yorke, pouco antes do último ensaio. Então, ele muda de assunto. “Estava pensando, recentemente, durante as férias – venho fazendo isso mais de metade da minha vida.” Faz uma pausa. “É uma loucura!”, proclama Yorke com uma risada estupefata. “E é legal. É um trabalho – e um trabalho bom. Precisamos, na verdade, subir ao palco agora e ver onde estamos”, ele declara, pronto para tocar. “É um palco grande e haverá muita gente”. Ri mais. “Só que me disseram que isso é uma coisa boa.”