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Música / Entrevista

Céu retorna às raízes com Novela: 'Tudo que eu sei fazer é misturar'

Coproduzido pela paulistana, Pupillo e Adrian Younge, 6ºálbum de inéditas foi gravado em Los Angeles e traz colaborações internacionais

Céu na capa de Novela (Imagem: Divulgação)
Céu na capa de Novela (Imagem: Divulgação)

Escutar o trabalho de Céu é sempre uma viagem pela brasilidade de uma maneira muito particular. Apesar disso, a cantora e compositora paulistana carrega consigo as influências que encontrou durante uma temporada em Nova Iorque no início dos anos 2000. 

Agora, ela volta aos Estados Unidos — dessa vez para Los Angeles — onde gravou Novela (2004), sexto álbum de inéditas que chegou às plataformas três anos após Um Gosto de Sol (2021). O nome do disco foi dado ao longo do processo de entender o caminho que o projeto estava tomando, conta a artista em entrevista à Rolling Stone Brasil

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"Acabou entrando uma música em que eu convido um parceiro para entrar na minha novela," conta. "Mas acho que novela é uma coisa brasileira interessante. Na verdade, não é brasileira, é uma coisa antiquíssima, mas que tem bastante esse lugar da latinidade, da dramaticidade da América Central e da América Latina, turca também."

Mas no Brasil é interessante, porque são situações - dia a dia - que acontecem com todo mundo. Tem drama, tem tragicômico, tem tudo! E eu acho que todo mundo tem sua própria novela. 

A música em questão é "Into My Novela," quinta faixa do álbum em que os vocais da nossa protagonista se fundem aos do cantor e compositor californiano Loren Oden de uma maneira quase hipnótica. Céu explica que, para ela, um álbum é forma que ela encontra de contar coisas da própria vida, a partir do próprio prisma, "mas sempre me comunicando e conectando com as pessoas, afinal de contas, eu não sou diferente de ninguém."

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A própria Céu revela ser fã do gênero, muito por uma questão emocional. "Era um momento em que eu estava com a minha irmã e minha mãe, a gente parava e ficava assistindo. Tem um lugar de memória afetiva," relembra. Ela destaca o poder das novelas de unir gerações em torno de uma obra - algo muito semelhante com o que a música é capaz de fazer.

"Eu nunca paro," conta a compositora. Novela, assim como os trabalhos dela costumam ser, nasceu a partir de composições que foram se construindo ao longo do tempo. "Vou fazendo, tudo é ligado. Tenho coisas desde o meu primeiro disco que eu mexo, paro, volto. Levei para o Tropix (2016), levei para o APKÁ! (2019), então tem uma linha contínua." O álbum, no entanto, parte da percepção da artista de que a "porçãozinha de ideias" traz algo especial. 

Céu (Foto: Fernando Mendes)

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Se o cotidiano costuma ser o ponto central das novelas, para Céu o dia a dia traz inspiração. Mas nem tudo é sobre ela. Situações em comum com outras pessoas. "As vezes são situações de outros que me tocam e eu me sinto atravessada e escrevo."

Eu estava vendo um documentário sobre o grande poeta brasileiro Manoel de Barros e perguntam o que é o poeta. Ele fala que 'é um grande vagabundo,' que usa esse ócio para criar

Ela ainda não encontrou o lugar do ócio, mas nos momentos em que está criando, se transmuta em sentimentos e histórias alheios e nas dela própria, como conta sobre o que a faz se sentir inspirada. A arte também é um incentivo. Um filme, uma peça, um show, tudo pode virar música.

Time dos sonhos

Como toda novela, o elenco tem grande responsabilidade sobre o sucesso da trama. Para isso, Céu escalou um time de peso. A paulistana assina a produção ao lado de Pupillo — ex-baterista da Nação Zumbi, que coproduziu também Tropix (2016) e APKÁ!. Quando questionada sobre o segredo da parceria de sucesso, a cantora responde aos risos: "Somos casados!"

A gente tem uma vida em comum. Ele sabe 100% do que se trata essa bagunça novelesca minha. Para além dessa questão íntima, ele é um defensor da arte e dos artistas, eu acho isso lindo. Fora a expertise dele, rítmica e musical

Para completar o time da produção, Céu contou com Adrian Younge, compositor, multi-instrumentista,arranjador, produtor musical norte-americano e proprietário do Linear Labs, em Los Angeles, onde foi feita a captação do disco. Ela conta que é fã de longa data do trabalho dele, especialmente de Something About April (2012). "Eu fui apresentada a esse trabalho quando eu estava no meu terceiro disco, Caravana Sereia Bloom (2012), em turnê com a minha banda. Meu comparsa, DJ Marco, falou 'Céu, escuta isso aqui, você vai gostar' e eu fiquei obcecada."

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Algum tempo depois, um amigo da cantora ligou para ela e disse que estava com Younge em São Paulo e a chamou para se unir a eles em uma reunião na casa dele. "Ficamos amigos instantaneamente," relembra. Ela convidou o produtor para assistir a uma de suas apresentações na extinta Z Carnicera, que ficava no Largo da Batata. "Ele foi e falou: 'Eu quero produzir alguma coisa com você'."

Céu também colabora com diversos outros artistas. Na primeira faixa, "Raiou," a paulistana divide os vocais com a rapper Ladybug Mecca. "Eu sou da geração que pirava em Digable Planets, acho uma banda muito incrível e sou muito fã de rap dos anos 1990. Gosto de rap, mas eu gostava muito do flow e do jeito daquele momento. E a Ladybug é um ícone. Eu nunca imaginei fazer nada com ela e consegui," comemora.

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Loren Oden e Jensine Benitez foram chamados inicialmente para fazer os coros das músicas. Céu já havia visto o trabalho da cantora com o duo equatoriano-suíço Hermanos Gutiérrez. "Ela é uma menina nova, maravilhosa e talentosíssima. Eu tenho certeza que vai acontecer muita coisa boa com ela," diz. Ela ainda não conhecia a fundo o trabalho Oden, que é muito próximo de Adrian. "Quando nós pensamos em colocar uma pessoa cantando na canção 'Into My Novela' sozinho, pensamos: 'Loren'!"

Lucas Martins, parceiro da artista há muitos anos, também colabora com ela na coautoria de três das 12 faixas — "Cremosa," "Into My Novela" e "Lustrando Estrela" — além de tocar contrabaixo, violão e guitarra em quase todas as canções. "Ele é brilhante," elogia a compositora.

Capa de Novela (Imagem: Divulgação)

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"Gerando na Alta," primeiro single do álbum também traz uma participação especial, a cantora e compositora franco-senegalesa, radicada em Londres, Anaiis colabora com Céu na faixa. Apesar de dizer que não é muito estratégica quando se trata de escolher singles, a paulistana acertou ao escolher uma música que dá o tom do álbum, instiga e deixa um gosto de quero mais. A canção, que fala de uma amizade feminina, seria lançada no Dia das Mulheres a princípio. "É uma música leve, gostosa, que traz esse perfume Brasil, ao mesmo tempo em que traz a Anaiis cantando em inglês."

"Reescreve," faixa que encerra o disco  é uma composição de Céu e Marcos Valle. a compositora revela que é apaixonada pelo artista. "Ele é um pilarzão, uma figura muito importante para a música," diz. Os dois já haviam cantado juntos, por volta de 2006, ainda no começo da carreira da paulistana. "Fizemos alguns shows juntos, eu acompanhando a banda dele, foi uma p*** escola para mim."

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Daí surgiu uma amizade. E, apesar dela considerá-lo uma das pessoas mais elegantes de se dividir o palco, os dois nunca tinam escrito nada juntos até o momento. "Ele veio com uma história para eu fazer uma letra para uma música dele. Eu mandei, e aí eu me senti tranquila para pedir uma para mim também," ri.

Mandei uma ideia melódica e a letra e falei para ele harmonizar. El mandou, eu fiquei doida e quando fomos para Los Angeles, o Adrian também é muito familiarizado com o Marcos, Pupillo também, então foi uma coisa muito tranquila de fazer.

A única faixa do disco que não foi escrita pela cantora é "Corpo e Colo," composta por Nando Reis e Kleber Lucas. Fã declarada do músico paulistano, ela pediu para ele uma música. "Ele veio com essa canção com o Kleber e eu achei lindo isso, nunca tinha imaginado."

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Captação futurista, ainda que nostálgica

Novela foi gravado ao vivo, de maneira orgânica, como costumam ser feitas todas as captações no Linear Labs Studio. Céu classificou o processo como futurista e "nada vintage". "Vivemos um mundo que, apesar de todo o desconforto que a sociedade criou, dá muito conforto para nós, tem ferramentas que facilitam a nossa vida rapidamente na nossa mão."

Ela reflete sobre como é possível fazer um disco usando ferramentas de computador e sobre todos os ganhos do mundo digital. "Mas, em contraponto, aquele desafio de fazer uma coisa sem conforto nenhum, no sentidp de fazer pelo que você gosta. Tirar som, se juntar com as pessoas que você admira, sem filtros de imagem ou de som, sem edição, essa sensação exigiu muita presença e uma inteligência emocional, nada de inteligência artificial." O processo fez com que a artista se sentisse muito viva "e muito louca também," conta, tamanha a intensidade. 

Céu (Foto: Fernando Mendes)

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De volta aos States

Céu se descobriu compositora em Nova Iorque, quando passava uma temporada na cidade, lá ela foi influenciada pela arte de MCs pretas e porto-riquenhas nas ruas do Lower East Side. "Eu era uma menina, estava aprendendo as coisas e tive a oportunidade de ir para Nova Iorque," relembra. Um dos objetivos dela à época era estudar o jazz e o soul, mas talvez nada tenha influenciado tanto seu som quanto o rap e o reggaeton que ela ouvia nas ruas.

"A rua foi minha maior escola. Não só lá, mas aqui também." Ela conta que nunca foi a melhor aluna no sentido formal da palavra, mas aprende muito com o que vê e, principalmente, com o que ouve. "Isso quebrou muitos tabus na minha cabeça, no meu entendimento como mulher, latino-americana e de entender que eu não precisava daquele conhecimento hermético, complexo."

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Não foi por falta de acesso, ela ressalta. O pai de Céu é um grande professor de música que chegou, inclusive, a dar aulas para a filha, "mas eu tinha uma coisa dentro de mim que era em outro lugar." O contato com outras abordagens em relação à música a fizeram entender que ela também escrevia. "Ter acesso a essas meninas, o disco da Lauryn Hill que estava chegando, Method Man, ouvir as coisas que estavam na rua, bombando. Disco do  Jay-Z, Erykah Badu."

A cantora tem uma relação de longa data com a América do Norte, Céu (2005) álbum de estreia dela, foi muito bem por lá. "Foi um caminho que se abriu, desde então eu sigo indo, viajo. Faço bastante aqui também, mas, de uma certa maneira, acaba ecoando bastante aqui no Brasil o trabalho que é feito lá," reflete. 

Foi demais! Voltar com um cara que eu sou muito fã, trazer minha galera também que eu sinto que me conhece e misturar. Porque tudo que eu sei fazer, que eu faço desde sempre, é misturar.

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Conversamos com Céu algumas semanas antes do lançamento e, agora com o disco na rua, ela se prepara para embarcar em uma turnê que começa pelos Estados Unidos e já tem passagens confirmadas pelo Brasil, Europa e América do Norte. Ela diz que está animada para levar o novo trabalho aos palcos, ainda que estivesse um tanto ansiosa.

Para ela, se apresentar é um momento de "alegria total, plenitude e agradecimento," ela reflete. "Pensar que esse povo saiu de casa, comprou ingresso, veio te ver. Eu quero ofertar oo melhor possível. Hoje eu estou em paz. Comecei tímida, mas eu aprendi," brinca. Para nós, é sempre um deleite assistir artistas que se entregam e amam o que fazem. A Novela de Céu já é um sucesso de público e crítica. 

Céu (Foto; Fernando Mendes)

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