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Música / Entrevista

Titãs: Alice Fromer e a superação da 'ausência irreparável' do pai no palco

Filha de Marcelo Fromer representa o pai na turnê 'Titãs Encontro', com formação original da banda

Alice Fromer canta em show da turnê 'Titãs Encontro' (Marcos Hermes)
Alice Fromer canta em show da turnê 'Titãs Encontro' (Marcos Hermes)

Você provavelmente já ouviu falar de Campos do Jordão, no interior de São Paulo. De acordo com o Censo de 2022, a cidade tem pouco mais de 50 mil habitantes — e esse foi o número de pessoas para quem Alice Fromer cantou em cada dia de show dos Titãs no Allianz Parque.

A filha de Marcelo Fromer nunca perdeu contato com os músicos — mesmo quando morou por um tempo em Portugal — mas sempre esteve mais próxima de Nando Reis, seus filhos e a esposa. O multi-instrumentista que empresta a voz para “Marvin” arquitetava há anos um retorno com a formação original para comemorar os 40 anos da banda.

Em meio ao terror e a monotonia da pandemia, Alice recebeu uma ligação de Tony Bellotto. A princípio, achou que estava sendo convidada para assistir aos shows, mas foi surpreendida por uma oportunidade de cantar para a plateia nostálgica dos Titãs. Primeiro ela pensou: “De onde tiraram que eu sei cantar?”. Mas depois “fingiu costume” e aceitou a proposta.

Com os shows, os ensaios e as viagens, a relação de Alice com os integrantes dos Titãs foi invariavelmente estreitada. Eles eram familiares para ela, e ela era familiar para eles, como se cada um carregasse consigo um pedaço de Marcelo, ou tivesse doado um pedaço de si a ele.

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“Eu lembro da primeira vez…No show do Rio, — que foi a estreia — eu estava lá atrás, nos bastidores, e não conseguia ver direito, mas escutava, só pelos ruídos das pessoas, o barulho que tinha”, relembrou. O público na Jeunesse Arena não chegava ao número de pessoas que estiveram presentes nas apresentações em São Paulo, mas serviu para indicar a magnitude da turnê Titãs Encontro. O medo se manifestou, mas “algo se sobrepunha àquilo: a experiência, a vontade de estar no palco com os Titãs”.

Arnaldo Antunes e Alice Fromer em show da turnê 'Titãs Encontro' (Marcos Hermes)
Arnaldo Antunes e Alice Fromer em show da turnê 'Titãs Encontro' (Marcos Hermes)

A inserção de “Toda cor” na setlist foi consensual. A música foi composta por Carlos Barmack, Ciro Pessoa e Marcelo, o que, para Alice, faz dela muito especial. “Não vou me adaptar” se tornou uma opção por já ter sido composta como um dueto. Arnaldo Antunes fez uma das partes.

Além das duas canções, “Miséria” é uma das preferidas de Alice. O ranking muda ocasionalmente, mas, no show, esse é um dos momentos mais marcantes para Fromer: quando ela deixa o palco e pode se juntar aos demais familiares dos membros da banda. A música é animada e acelerada, mas fala sobre desigualdade social, convertendo o ritmo em uma espécie de fúria contra as injustiças encaradas pela sociedade.

Infância

Pode-se imaginar que alguém criado por um artista seja quem mais sabe sobre as características dele, mas não é bem assim. “Eu não sei o que meu pai ouvia”, explicou Alice. Sua existência não chegava a uma década durante o período em que conviveu com Marcelo. Havia fotos com os Mamonas Assassinas pela casa onde viviam, e Raul Seixas fazia parte do repertório musical, mas o pai dela gostava mesmo do silêncio. Música estava mais para trabalho, segundo Alice.

Titãs e Mamonas Assassinas (Reprodução/Facebook)
Titãs e Mamonas Assassinas (Reprodução/Facebook)

A maior referência musical que ela tinha era Titãs: “Não tive uma herança musical do meu pai, a não ser os próprios Titãs”. Mais tarde, passou a se questionar como a mente de Marcelo trabalhava, e começou a buscar outras bandas com as quais poderia se identificar. Ela é eclética, mas só dentro do rock: The Beatles, The Rolling Stones, Bob Dylan e David Bowie são alguns dos artistas que tocam nos ouvidos de Alice.

O fenômeno da amnésia infantil determina que não guardarmos memórias criadas até antes dos 7 anos. Por isso, muitas das nossas lembranças se misturam com o que nos é contado sobre os primeiros anos de vida. Isso não quer dizer que tudo é apagado. Alice disse ter memórias do pai formadas por uma “composição bem equilibrada” que junta amor e histórias sobre o passado.

O uso recorrente de filmadoras e câmeras no cotidiano de algumas famílias foi “uma vantagem muito grande dessa geração dos anos 1990”. Em decorrência da fama de Marcelo, a filha dele ainda se depara com conteúdo inédito sobre o pai, achados em pesquisas ou até mesmo enviados por fãs.

Paternidade

Marcelo escrevia para a Folha de S.Paulo e para O Estado de S. Paulo sobre esporte e culinária, respectivamente. A horta que os pais de Alice plantaram em casa servia de escola, porque era lá onde ela aprendia a reconhecer temperos apenas pelo cheiro. A habilidade era motivo de orgulho para o pai, que sempre fazia uma demonstração para as visitas.

Alice, Max, Susy e Mila são todos considerados filhos de Marcelo. Mila mora na França e vai assistir ao show dos Titãs quando a turnê carimbar o passaporte e chegar a Nova York e Portugal. Susy presenciou o show de estreia no Rio de Janeiro. Max, o mais próximo de Alice, tem acompanhado todos os passos da banda, servindo de apoio para a irmã, e produzindo conteúdo audiovisual para divulgação e provavelmente para mais uma coleção de memórias.

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Dos quatro, Alice e Max são os mais familiarizados com a música no sentido técnico. Alice já havia se apresentado para um grupo de cerca de 200 pessoas, enquanto Max é guitarrista.

Luto

O luto se manifesta de formas diferentes para cada um. Às vezes, é preciso aprender o que é o luto para depois vivê-lo. Alice começou a aprender quando criança e ao longo do processo — que nunca cessa —  percebeu que algumas perguntas nunca poderão ser respondidas. A filha de Marcelo não teve tempo sequer de elaborá-las.

Entender a dimensão de tudo o que vem acontecendo em uma turnê é tão gradativo quanto lidar com o luto. “A ficha não cai de uma vez”, mas hoje Alice considera Titãs “a maior banda do Brasil”. Representar o próprio pai nos palcos é algo que ela carrega honradamente: “O legado que meu pai deixou é muito grande”. Ela garante que "a ausência é uma coisa irreparável”, mas tem vivido a presença do guitarrista — morto em 2001 — agora mais do que nunca, e encontrado respostas para as perguntas que jamais foram feitas.